Já há mais de um ano tem circulado na internet pedidos de apoio à Declaração Universal de Bem-Estar dos Animais - ainda em fase de rascunho, podendo ser alterada sem aviso prévio aos signatários. Quero crer que a adesão em massa de vegetarianos a essa Declaração se deva à ingenuidade, mais que à concordância. Muitos vêem a frase "Para mim os Animais Importam" que geralmente acompanha a divulgação do documento, e podem se deixar enganar. Outros não estão ainda familiarizados com os debates sobre as questões animais - os mais escolados sabem que "Bem-Estar", um termo que parece encerrar coisas boas, na verdade carrega implícita a idéia de que não é a liberdade que conta, mas apenas o conforto. Animais em jaulas confortáveis esperando a inevitável violação de sua integridade física e/ou psíquica, uma vez já violado seu direito básico à liberdade.
Outro engano possível é supor que o bem-estarismo, a redução do sofrimento, é uma fase necessária no processo de libertação animal. Na verdade, enquanto lutarmos pelo bem-estar, por definição, não estaremos lutando pela libertação. Não se pode chancelar e condenar a exploração ao mesmo tempo. E o bem-estarismo nitidamente chancela a exploração, constatação que aflora límpida da análise desse documento.
Quero, então, fornecer elementos à crítica e, portanto, repúdio completo à Declaração Universal de Bem-Estar dos Animais, promovida pela World Society for the Protection of Animals (WSPA, Sociedade Mundial de Proteção Animal), uma entidade assumidamente bem-estarista, de raízes anglo-americanas, surgida em 1981.
A Declaração não se dispõe a condenar qualquer das formas de exploração animal listadas - sem dúvida as mais disseminadas em todo o mundo. Inclusive aquela que é, possivelmente, a mais bárbara de todas: a vivissecção. Ela tão somente pede que a exploração seja feita observando critérios (nem mesmo limites: apenas critérios de bem-estar). Destaco alguns trechos que tornam indiscutível o respaldo que ela dá à exploração animal:
RECONHECER que a utilização de animais por parte dos humanos pode reverter em benefícios importantes
Ninguém pode afirmar que a escravidão é justa quando rende benefícios ao escravista. O que importa é que a escravidão rende inequívocos malefícios ao escravo.
RECONHECER que (...) os vegetarianos desempenham um papel importante na conservação quer da saúde, quer do bem-estar animal
Este trecho disfarça, sob o manto da suposta exaltação, uma minimização da importância do vegetarianismo. O veganismo – que é o vegetarianismo estrito (sem nenhum alimento de origem animal) somado ao boicote de outros produtos resultantes da exploração animal – é a base inegociável de uma atitude de coerência e respeito em relação aos animais. Enquanto houver seres humanos que se alimentem dos animais e suas secreções, não é possível preservar a saúde e o bem-estar dos mesmos, menos ainda a sua liberdade. Assim, o vegetarianismo e mesmo o veganismo são meros paliativos enquanto ainda houver exploradores. E mesmo o veganismo só terá efeito sobre a vida dos animais quando for adotado por toda a humanidade, ou por uma maioria capaz de levar adiante a abolição da exploração animal.
RETER que as "cinco liberdades (livre de fome, de sede e de má nutrição; livre de medo e de perigo; livre de desconforto físico e térmico; livre de dor, ferimento e doença; e liberdade para expressar padrões normais de comportamento)" e as "três medidas (redução do número de animais, aperfeiçoamento dos métodos experimentais e substituição dos animais nas técnicas utilizadas)" facultam uma orientação valiosa para a utilização de animais
Ora, todas essas liberdades são diretamente atacadas, de modo evidente, pela pecuária, pelo abate de animais para alimentação e pela vivissecção - além das outras formas de escravidão. É muito fácil demonstrar que mesmo que as cinco liberdades sejam respeitadas ao longo da vida do animal - o que é altamente improvável -, elas serão imediatamente e irrevogavelmente violadas no momento do abate ou da vivissecção. Logo, a Declaração é incoerente, se não hipócrita. As três medidas, ou 3 Rs (dos termos no inglês, "reduction", "refinement", "replacement"), por sua vez, existem já há quase 50 anos - foram formuladas em 1959, na Grã-Bretanha. De lá para cá o número de animais empregados em laboratório apenas aumenta, o que mostra a total falência do paradigma bem-estarista e sua incapacidade de atingir os próprios objetivos reformistas. Mais que isso, demonstra que o reformismo apenas existe para aprimorar a exploração animal. Por fim, o trecho "orientação valiosa para a utilização de animais" não deixa dúvidas. A Declaração afirma que com regulamentação e observando-se certas premissas, a exploração animal é aceitável, e esse pensamento nunca levará ao fim da exploração e, longe de proteger os animais, chancela, em última instância, os maus-tratos e a crueldade que são intrínsecos a atividades como a pecuária e a vivissecção. É, portanto, uma Declaração que sofre de má-formação congênita pois torna os animais vulneráveis no mesmo momento em que os pretende proteger.
3. Os [estados] devem empreender todas as medidas adequadas para evitar a crueldade para com os animais e para reduzir o seu sofrimento
Se o sofrimento requer redução, está implícito o reconhecimento de que ele será, em algum momento, promovido. Em contraste com esta Declaração bem-estarista, uma Declaração abolicionista assumiria o compromisso não de reduzir, mas de abster-se de promover qualquer tipo de sofrimento deliberado e desnecessário ao animal não-humano, só sendo legítimo causar algum dano quando para protegê-lo de um sofrimento maior, e não para atender a interesses alheios.
4. As normas adequadas para o bem-estar dos animais devem continuar a ser desenvolvidas e elaboradas, tais como, mas não só, as que dizem respeito à utilização e gestão de animais de quinta, animais de companhia, animais utilizados em pesquisas científicas, animais de carga, animais selvagens e animais para fins recreativos.
Aqui fica claro que não há qualquer condenação de nenhum tipo, nenhuma crítica fundamental, de base, à exploração animal como um todo ou a alguma modalidade de exploração animal em particular.
Em conclusão, pode-se dizer que esta Declaração não atende a nenhum interesse fundamental dos animais não-humanos, mas tão somente ao interesse egoísta do ser humano em continuar explorando-os, promovendo um suposto bem-estar, para apaziguar suas consciências, torná-la mais aceitável frente a toda a sociedade, e não colocar jamais em risco os benefícios - em geral econômicos e políticos - advindos da mesma. Assim sendo, é uma vergonha que os vegetarianos que se declaram defensores dos animais apóiem tal farsa. Ela deve ser denunciada, e o esforço para fazê-lo deve ser empregado para ensejar um debate amplo na promoção não do bem-estar, mas da LIBERTAÇÃO ANIMAL.
Neste link há uma versão expandida deste texto, analisando outros trechos da Declaração e estendendo algumas considerações dos trechos acima destacados:
13 comentários:
muito bom o texto! vou repassá-lo prum bando de filho da puta que tá assinando e defendendo essa merda, no orkut...
Será NECESSARIAMENTE repassado.
Obrigado, pessoal. Divulguem mesmo. Vou também publicar no Sentiens, onde ele terá maior visibilidade.
Oi Bruno perfeito peço permissão para divulgar via e-mail também.
Sou aquela que fora expulsa da comunidade "Vegetarianos", por postar essa minha opinião contrária lembra?!
Bem estar de quem????
(http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=38384179)
Não ao animal "Animals Matter",abaixo ao bem-estarismo!!!
Oi, Mi.
Sim, sim, pode divulgar à vontade. ;)
CLAP, CLAP, CLAP, CLAP...
FAZ TEMPO QUE NÃO LEIO UM TEXTO TÃO BOM E TÃO EMBASADO NA SOBRIEDADE E REALIDADE QUE ESTÁ POR TRÁS DO EMBUSTE DESSES ENGANADORES...
VALEU, MESMO BRO!
Cigano
Parabéns. Está muito clara, concisa e lógica. Admirável.
Temos que aproveitar este momento para enfatizar nossos objetivos abolicionistas.
Usar essa tentativa de enfraquecimento do movimento para uma afirmação mais clara de nossa meta.
Ele estão com medo que o mov abolicionista animal tome conta do mundo, como aconteceu c/ o abolicionismo humano.
Um abração
Muito bom!!! Esse texto é totalmente necessário pra conscientizar proptetores e população em geral.
Posso linkar esse blog no meu para divulgar?
oi td bem? esse texto é de sua autoria?
posso publicar no site www.jornalaside.com ?
achei muito bom porque muita gente simplesmente assina pelo modo como as coisas foram escritas, eles te induzem a pensar justamente o contrário de tudo o que você defendeu aqui.
obrigada!
ah, me responde por email por favor. gija@jornalaside.com
As coisas não vão mudar com um unico passo.
Se fizermos uma petição nos criterios que realmente gostariamos nem 5 % do que precisamos d assinaturas conseguiriamos.
estamos numa democracia, primeiro temos que ter a ideia, conscientizar, e então quando a maioria ou grande parte da população tiver se sensibilizado a nossa causa ,poderemos fazer um grande avanço...
Esse 8 ou 80 , vai ou racha, num leva ninguem a lugar nenhum, prefiro um passo, do que ficar no mesmo lugar..
FAzer alguma coisa e melhor do que ficar sem fazer mnada como esse bando de veganos que nao fazem nada pelo bem-estar animal!
Falar e facil quero ver pegar e fazer com as proprias maos.
tsctsctsc, ao inves de criticar faca algo pelos animais!!!
Voces que sao contra o bem-estar animal deveriam pensar que mudar o mundo e dificil, mudar aos pouco e bem mais facil
Um viva ao bem-estar animal!
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