quinta-feira, 27 de novembro de 2008

ANDA: Siga esta pegada

Entra no ar, amanhã, a Agência de Notícias dos Direitos Animais (ANDA), a primeira do gênero no Brasil. Será um espaço para congregar e difundir notícias relacionadas ao tema e tentar, assim, abrir mais espaço para o debate na grande imprensa. E o melhor de tudo: com enfoque abolicionista.

A Agência nasce com poucos recursos mas muita força de vontade e dedicação de alguns voluntários. Tudo graças ao maravilhoso trabalho de Silvana Andrade, jornalista, vegana e abolicionista, idealizadora do projeto. PARABÉNS, SILVANA!

A ANDA começou a tomar corpo no Encontro Nacional de Direitos Animais de março de 2008. Mais uma demonstração da importância do contato e do diálogo entre ativistas para criar um movimento mais forte e abrangente.

Eu estou colaborando como editor de blog e na redação de um glossário de conceitos básicos relacionados ao tema de direitos animais.

O endereço:

www.anda.jor.br

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Notas Esparsas

Bruno Müller

Sem tempo para elaborar um texto com o devido cuidado, essa semana vou fazer algumas notas curtas sobre assuntos que andaram pela minha mente nos últimos dias.

Sadia

Anda circulando pelo Orkut uma pesquisa de mercado para consumidores vegetarianos... Ao abrir a pesquisa, descobri que a empresa querendo conquistar esse nicho de mercado é não menos que a Sadia, aquela que cria animais para vender sua carcaça... Duas coisas me chamaram a atenção nas dicussões que a tal pesquisa suscitou nas comunidades. Primeiro que, ao ser confrontado com o fato de que muitos vegetarianos não compram Sadia, o homem que estava divulgando a pesquisa respondeu:

"E quanto a Sadia entrar no segmento veg é certo que vc´s não vão saber que o produto é da Sadia, pois terá outro nome devido a essa visão negativada de empresa matadora de animais." (Mantive a grafia original)

Não sei se isso foi um desafio, foi subestimar a inteligência do consumidor, ou foi um comentário sem intenção agressiva; mas até onde sei, a única forma da Sadia não estampar de forma gigantesca seu nome numa embalagem seria criar uma outra marca. No entanto, o nome do fabricante teria que aparecer, ainda que miúdo. O que não deveria escapar aos olhos de um vegano habituado a ler rótulos atrás de produtos de origem animal...

A segunda coisa que me chamou atenção foi que, embora muitos tenham questionado o fato de ser a Sadia a empresa conduzindo a pesquisa, muitos ainda não fazem tal questionamento, o que é deveras estranho, partindo de defensores dos animais. Veganismo não é só uma ação alimentar, é uma posição política, fundada no boicote. Comprar produtos vegetarianos que irão reverter lucros para a indústria da carne é incoerente e contraproducente. E é ingênuo achar que comprar produtos vegetarianos dessas empresas irá reduzir a demanda de produtos cárneos. Essa questão, por si, seria matéria para um texto mais longo. Fica para o futuro.

Churrascaria: ir ou não ir?

Questão aparentada da primeira... Já perdi a conta das vezes que ouvi falar de vegetarianos que vão às churrascarias: "Agora não é só um lugar pra comer carne! Tem buffet e diversas opções de salada!". Mas a carne continua sendo seu ganha-pão... Mostra, outra vez, uma visão equivocada da questão dos direitos animais. Não surpreende que a maioria desses exemplos que conheço seja de ovo-lacto-vegetarianos. Então, não posso chamá-los de incoerentes. Afinal, a sua dieta também mata seres sencientes. Com razão, porém, eles são questionados - e ridicularizados - por onívoros: "como assim, comer em churrascaria???". Não interessa o que você pediu. Seu dinheiro está financiando o verdadeiro negócio do estabelecimento: vender cadáver. O mesmo critério se aplica, aliás, à pizzaria. Estabelecimentos que sobrevivem diretamente da exploração animal deveriam ser totalmente boicotados pelos que se dizem "vegetarianos pelos animais". Os quais, por sinal, deveriam ser todos veganos. Quem ama, não mata. Mas se não é nosso dever amar os animais, respeitá-los o é, com certeza. Quem respeita, não mata.

Matança ecológica

Saiu no UOL e também foi comentado no Orkut: javalis selvagens, descendentes de indivíduos "importados" da Europa para iniciar uma criação no sul do Brasil (para comercializar sua carne) serão capturados e abatidos, no Paraná. O motivo? Eles comprometem o equilíbrio ecológico, ameaçam espécies nativas da fauna e da flora, e se reproduzem com rapidez, podendo haver superpopulação, pois não têm predadores naturais. A íntegra da notícia:

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/11/07/ult5772u1420.jhtm.

Confrontado com possíveis objeções de sociedades protetoras de animais, o presidente do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) disse se tratar de uma questão ambiental: "Nós não vamos causar qualquer tipo de sofrimento ao javali. Eles serão abatidos como qualquer animal de corte. Só não vamos ficar perdendo tempo com discussões inócuas".

Quanto ao primeiro argumento do ambientalista, trata-se daquilo que Tom Regan chama de "fascismo ecológico": a indiferença ao sofrimento individual em função do bem maior, que é o equilíbrio ambiental - mais ou menos como os fascistas sacrificavam seres humanos em prol do equilíbrio social e a manutenção do Estado. Quanto ao segundo argumento, "Eles serão abatidos como qualquer animal de corte", nada mais coerente com o fascismo ecológico acima descrito. Mas há alguma coisa de errada quando os ambientalistas adotam uma premissa fascista para a defesa de suas teses. Explicitam uma linha de raciocínio antropocêntrica e autoritária - exatamente as características que têm levado a humanidade e o planeta à ruína. Não consigo imaginar como vamos curar o planeta com os mesmos remédios que o deixaram doente em primeiro lugar. Quanto ao terceiro argumento, "são discussões inócuas", ele fecha com chave de ouro a explicitação do fascismo ecológico do presidente do IAP: sua opinião não está sujeita a questionamentos - PRINCIPALMENTE os de ordem ética, que são "inócuos": inúteis, sem sentido e sem efeito prático. É o típico discurso tecnicista que, em nome da racionalidade, desqualifica as críticas que tentam interpor objeções éticas a procedimentos que, tecnicamente impecáveis, deixam algumas vidas pelo caminho. A tecnocracia é, aliás, outro grande fator de destruição de vidas. Graças a ela, capitalismo e socialismo, irmanados no industrialismo, passaram a tratar rios, árvores e animais como recursos ao desenvolvimento e à riqueza material, e por isso apenas atribuídos de valor econômico - nenhum valor simbólico, ecológico ou, no caso dos animais, valor inerente. Com ambientalistas assim, estamos realmente bem servidos.

E, de novo, o pior da história foi ver vegetarianos defendendo a medida: pelo equilíbrio ambiental, pode! E, para variar, lançou-se mão do argumento da autoridade (só pode opinar quem entende do assunto) e para a falácia da obrigação de prover alternativas. Ora, não sou biólogo. Se eu sugerisse uma solução, seria pior: estaria me expondo ao descrédito. Porém, questões ÉTICAS não podem, por definição, ser tratadas como questões técnicas. Pois a ÉTICA é uma questão que atinge a todos os indivíduos e a todas as sociedades.

Outra lição do caso é que o que parece um beco sem saída evidencia os limites do nosso paradigma de pensamento - ético e ecológico. Se fizesse parte desse paradigma o respeito ao indivíduo, em primeiro lugar não nos passaria pela cabeça matar animais para solucionar o problema. Em segundo lugar, se não houvesse - ainda - soluções viáveis que não envolvessem o sacrifício, nós estaríamos buscando outra solução. Um exemplo disso? É muito mais racional testar a toxicidade de elementos químicos em seres humanos que em outros animais. Como todos concordamos que isto é antiético, eliminamos - desde a triste experiência do nazismo - esta opção, e automaticamente buscamos uma outra. Chegou a hora de deixar de considerar a matança de animais como opção também - seja por que motivo for.

A questão vai muito além do absurdo de matar animais, quando se deveria buscar uma outra forma de restaurar o equilíbrio ambiental - prejudicado não pelos javalis, mas pelos seres humanos que os trouxeram a uma terra estranha. A questão tem tudo a ver também com a filosofia política que deveria inspirar os ambientalistas - o respeito, o pluralismo, o individualismo - e aquela que, na verdade, inspira muitos deles - o tecnicismo, o autoritarismo, o organicismo. Trata-se da receita dos Estados policiais.

Ainda a pena de morte

Por fim, depois do último texto sobre a pena de morte, o assunto me voltou à cabeça por conta de dois casos.

O primeiro foi ao assistir ao documentário "Sicko", de Michael Moore, que cita vários casos de pessoas que foram deixadas morrer porque seus planos de saúde se recusaram a pagar pelo tratamento. Uma ex-executiva de um dos planos disse que, quanto mais recusas de tratamentos são feitas, mais recompensas os médicos recebem. São médicos e executivos que deixam pessoas morrerem, de doenças tratáveis, por pura ganância. São incapazes de empatia - são psicopatas. Eles matam de forma insensível, e aos montes. Em vez da cadeira elétrica (ou injeção letal), eles se tornam sujeitos respeitáveis, ricos, prósperos e poderosos.

O segundo foi lendo sobre um caso de tortura a um jovem pego fumando maconha em instalações militares. Todo ano aparecem casos de tortura e morte dentro das casernas, no Brasil. Muitas são praticadas contra soldados, cadetes, aspirantes, o que dissipa qualquer dúvida - fundamental para os conservadores - de que a morte tenha sido alguma espécie de aplicação da justiça (o que, como argumentei no texto anterior, nunca será). Até hoje ainda lutamos contra a memórias das torturas da ditadura militar. Nesse caso, essas pessoas são treinadas para matar e torturar. É de se esperar que, em algum momento, elas deixem de ter questionamentos morais sobre este ofício, fazem-no automaticamente, e até com prazer (basta ver ao filme "Nascido para Matar", de Stanley Kubrick). Nossa sociedade continua sem responder a isso com deve - pelo contrário, muitas vezes aplaude, afinal sequer aceitamos a filosofia dos direitos humanos por aqui.

Mas, ao contrário de criminosos "comuns", estes criminosos ninguém jamais questiona condenar à pena capital. Pelo contrário. Estamos longe de sequer conseguir enxergas estas pessoas como criminosas (no primeiro caso) ou de universalizar o repúdio a crime previsto em lei, punindo tais indivíduos de acordo com o crime que praticaram (no segundo caso). No entanto, tais crimes são igualmente hediondos, aberrantes, injustificáveis.

Não sou a favor da pena de morte nesses casos também. Como disse, não sou a favor dela em nenhum caso. Apenas gostaria de entender a razão para esta diferença de tratamento. O que explica essa diferença não é a natureza do crime, mas a posição política, social e econômica dos criminosos. E ainda há quem alegue que a criminalidade não é um problema social...

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Princípio da igualdade de consideração de interesses e as suas implicações para o uso que os seres humanos fazem dos outros animais

Cláudio de Godoy

Hoje gostaria de discorrer um pouco sobre o princípio fundamental da igualdade de consideração de interesses. Que, em miúdos, significa que interesses iguais ou semelhantes devem ser tratados de modo igual ou semelhante, independentemente de quem seja o titular dos interesses em questão. Certamente não é nenhuma lei da física, mas todos aqueles que se consideram minimamente civilizados deveriam se importar com sua aplicação racional. E para demonstrar que este princípio está longe de ser aplicado em toda a sua plenitude em nossa atual sociedade, nada melhor do que nos voltarmos para os direitos humanos.

O conceito universal de direitos humanos não comporta nenhum tipo de relativismo moral nem admite a menor concessão em nome da tradição, dos costumes e da emoção. Os direitos básicos à vida, à integridade física e à liberdade se aplicam a todos os seres humanos, independentemente de suas características individuais. No entanto, a observância destes direitos admite algumas exceções, como no caso em que uma pessoa ameaça violar qualquer um desses direitos e é devidamente impedida de consumar o seu intento pelos meios estritamente necessários, que podem inclusive resultar em sua morte, em ferimentos ou na perda de sua liberdade. Na verdade, o direito mais fundamental que possuímos e que não admite nenhuma exceção é o de não sermos usados instrumentalmente sem o nosso devido consentimento para satisfazer às necessidades alheias, mesmo se em alguns casos estas necessidades forem legítimas e se muitas pessoas se beneficiarem com o nosso uso instrumental. É por esta razão que a escravidão, o estupro, a pedofilia, a doação de órgãos não consentida e a vivissecção estão entre o que há de mais odioso.

E por que este direito básico se aplica a todos os seres humanos, sem nenhuma exceção? De acordo com o atual paradigma, este direito se aplica exclusivamente aos animais humanos devido ao fato de que somos os únicos a possuir agência moral, ou seja, podemos conceber, compreender e aplicar conceitos abstratos como os de direito e de justiça e somos plenamente responsáveis pelas conseqüências de nossos atos. No entanto, muitos seres humanos não são agentes morais, e nem por isso são menos merecedores do direito de não serem tratados como recursos pelos outros. Em alguns casos, a ausência de agência moral é temporária, como no caso de bebês e dos comatosos, mas existem vários exemplos de seres humanos que carecem permanentemente deste atributo. Para justificar o motivo pelo qual estes chamados casos marginais também teriam os mesmos direitos básicos que os seres humanos normais, costuma-se recorrer a um sofisma artificioso denominado argumento da normalidade da espécie. De acordo com este argumento, os casos marginais entre os seres humanos teriam direitos básicos porque pertenceriam a uma espécie cujos membros normalmente são agentes morais. Na verdade, o argumento da normalidade da espécie nada mais é do que um nome pomposo para discriminação, pois trata os indivíduos de acordo com o grupo ao qual eles pertencem ao invés de tratá-los de acordo com as suas características individuais. E podemos aplicar este mesmo argumento tanto para o bem como para o mal. Com certeza, todos nós somos favoráveis a instalações para deficientes físicos em locais públicos, mas de acordo com o argumento da normalidade da espécie, estas instalações deveriam ser abolidas, pois normalmente os seres humanos são capazes de andar sem ajuda. Também seria um absurdo considerar penalmente imputáveis doentes mentais que cometeram algum crime, mas de acordo com o princípio da normalidade da espécie, eles deveriam ser julgados como se tivessem plena posse da razão, pois normalmente os seres humanos são plenamente responsáveis pelos seus atos.

Na verdade, o próprio argumento dos casos marginais é irrelevante para se determinar a razão pela qual todos os seres humanos possuem direitos básicos, pois mesmo se todos os seres humanos fossem agentes morais, não seria esta a razão pela qual eles teriam estes direitos. Temos o direito à vida, à integridade física e à liberdade pela simples razão de que temos o interesse de continuarmos a viver, de não sermos feridos e de não sermos mantidos em cativeiro, mesmo se alguns de nós fossem momentânea ou permanentemente incapazes de conceber os conceitos abstratos de “vida”, “integridade física” e “liberdade”. E de acordo com o princípio da igualdade de consideração, fundamental no combate ao racismo e à discriminação sexual, estes direitos básicos não poderiam ser negados a nenhum ser humano e a nenhuma outra criatura capaz de ter os mesmos interesses, exceto em um contexto de legítima defesa. Do mesmo modo que os racistas e os machistas discriminam com base em características biológicas em questões onde estas características são completamente irrelevantes para defender privilégios inaceitáveis, o mesmo fazem os especistas ao desdenhar dos interesses básicos dos animais que tiveram a infelicidade de serem explorados pelos seres humanos.

O atual paradigma que rege as relações entre os seres humanos e os outros animais se baseia em uma construção social que deixou de ter qualquer respaldo científico desde a publicação da “Origem das Espécies”. Sua premissa fundamental é a da superioridade dos seres humanos sobre todos os outros animais. É claro que o termo “superioridade” pode ser empregado em um sentido mais específico, quando diz respeito a uma maior complexidade morfológica, habilidade, capacidade de empatia ou a um grau de adaptação a um determinado ambiente. Mas não existe superioridade alguma no sentido lato e todas as afirmações em contrário não pertencem à esfera científica. Fundamentalmente, esta “superioridade” se baseia no nosso poderio esmagador sobre todas as outras espécies. Só que o poder nem sempre caminha de mãos dadas com aquilo que é justo.

As nossas obrigações morais para com os outros animais são de ordem eminentemente negativa, ou seja, não deveríamos tratá-los como recursos à nossa disposição. Isso não significa abrir mão do nosso direito de existir como espécie. Ao exercer legitimamente o nosso direito à autodefesa, podemos matar tanto gafanhotos, mosquitos e leões quanto outros seres humanos. O que é bem diferente da utilização de ratos para a cura do câncer em humanos, pois, neste caso, o seu único “crime” é o de pertencer a uma espécie diferente, considerada “inferior” e descartável.

Atualmente, podemos viver perfeitamente sem consumir qualquer produto de origem animal e a abolição destes produtos também resultaria em benefícios adicionais à nossa saúde e à preservação do planeta. E mesmo se pudéssemos auferir imensos benefícios com o uso de animais não humanos em experimentos biomédicos, devemos ter em mente que já abrimos mão de benefícios ainda maiores por razões exclusivamente morais, que, no caso, seriam advindos da vivisseção humana, muito mais eficiente em termos estritamente científicos. Até mesmo em casos de extrema necessidade, como é o das pessoas que estão prestes a morrer na fila de espera dos transplantes de órgãos, jamais passaria pela nossa cabeça matar uma pessoa órfã com deficiência mental profunda para doar os seus órgãos a outra pessoa cuja vida supostamente teria “muito mais significado”.

Em resumo, todos aqueles que são capazes de ter sensações jamais deveriam ser usados exclusivamente como meios para satisfazer os fins alheios, pois a sua senciência é uma característica suficiente para que todos eles sejam um fim em si mesmo, independentemente do grau de utilidade que possam ter para os outros.