segunda-feira, 23 de junho de 2008

E as Plantas?



Nas últimas postagens tenho tentado responder a alguns dos questionamentos mais comuns quando falamos com alguém sobre veganismo. Dessa vez, quero tratar de uma das mais populares entre os onívoros. Uma questão que sempre aparece, com variações: “mas e as plantas? Elas também não sentem? Porque devemos ter compaixão pelos animais e não por elas?”

Por mais absurda que seja a questão, e por mais que eu esteja convencido que ela raramente é posta com propósito sincero, vale a pena se debruçar sobre ela, até para demonstrar a desonestidade de quem a coloca. Ela raramente é motivada por uma dúvida sincera sobre a diferença (ou não) nas implicações éticas do uso de animais e plantas por seres humanos. Geralmente é um álibi dos onívoros para justificar seus hábitos: “se não podemos ser éticos em igual medida com animais e plantas, então seria arbitrário poupar apenas um deles, sendo mais lógico e justo vitimar ambos”. Como veremos, há um oceano de distância nas implicações éticas do uso de animais e de plantas. Os pretensos defensores das plantas – que eu jocosamente chamo de “alfascistas” (conjunção de “alface” com “fascista”) – na verdade guardam parentesco com os relativistas e os realistas políticos. Como os primeiros, diante da impossibilidade de justificar seus desvios éticos, buscam apontar o dedo acusador para seus críticos, julgando que os erros que eles também cometem – mesmo que apenas presumidos – eximem-nos de responsabilidade pelos seus próprios erros. Como os realistas, sugerem que a impossibilidade de chegar a padrões mínimos de moralidade e ética não apenas invalidam a busca por estes padrões, como justificam a ação totalmente desvinculada de ambos.

Geralmente a questão vem na forma da afirmação: “os vegetais também são seres vivos”. É aqui que começa a se mostrar a fragilidade de seus “argumentos”. De fato os vegetais são seres vivos. Mas alguns vegetais sequer precisam ser mortos para serem comidos. Tira-se a folha, ou o fruto, e o vegetal continua lá vivo. Também se pode deixar a raiz e o vegetal vai continuar a crescer. Agora, quando se tira o vegetal pela raiz, é inegável, ele morre.

A outra forma mais famosa de confrontar os vegetarianos é dizer: “os vegetais também sentem”. Essa, que na verdade é a questão central, não é de melhor valia para os alfascistas. Aqui entra a questão da senciência, que qualquer pessoa que se dê ao trabalho de investigar as razões do veganismo deveria conhecer. Senciência é o termo que usamos para explicar porque somos veganos. Resumindo, dizemos que os vegetais não têm senciência, ou seja, não sofrem. Agora, algumas pessoas mais bem informadas ou mais espertas ou mais interessadas em nos confrontar, podem alegar que existem estudos sobre a capacidade das plantas de "sentir" a agressividade do ambiente, ou o fato delas responderem a estímulos (como a planta dormideira, que se fecha ao ser tocada). Eis algumas formas de responder estas questões:

1. Os estudos sobre a sensibilidade das plantas são inconclusivos, nunca foram repetidos (pré-requisito para um experimento científico ter validade) e alguns cientistas consideram-nos como verdadeiras fraudes.

2. As plantas não têm sistema nervoso central, logo é impossível para elas sofrerem e sentir dor.

3. As plantas são fixadas na terra; elas não podem fugir de um predador, no máximo ter espinhos; o sistema nervoso e a sensação de dor servem justamente de alerta para que os animais fujam de perigo iminente - se a planta não pode fugir, pra que precisaria sentir dor? Seria, no mínimo, contraditório. Ou, na pior das hipóteses, cruel.

4. Responder a estímulos não é igual a ter senciência. Até organismos não-vivos como células e proteínas respondem a estímulos.

5. Mesmo que as plantas tivessem senciência (o que tudo indica não terem), seria uma sensibilidade muito diferente dos animais. Aqui se costuma usar uma analogia muito comum entre os veganos: diga a uma pessoa para visitar uma plantação na época de colheita e visitar um abatedouro, e lhe pergunte o que lhe parecerá mais violento. Institivamente sabemos que matar um animal é muito mais violento e doloroso que arrancar uma planta pela raiz.

6. É provado que podemos viver sem explorar, matar, comer animais. Mas podemos viver sem plantas? Lembrando que usamos plantas não só na alimentação, mas para fazer várias outras coisas, desde produtos de higiene e limpeza, medicamentos, até roupas e utensílios domésticos e móveis. Viver sem usar plantas, se não for impossível, exigiria que voltássemos a viver na selva. No caso das plantas, portanto, pode-se alegar com muito mais propriedade que nossas vidas dependem dela - o que não é de modo algum verdadeiro no caso dos animais não-humanos.

7. Se a pessoa ainda assim acha que não há diferença entre usar plantas e animais - e acredite-me, ela só dirá isso se estiver competindo, e não dialogando, pois qualquer pessoa com bom senso (não precisa nem inteligência) é capaz de perceber a diferença - então pode-se dizer duas coisas:

7a. Podemos optar por causar mais dano ou menos dano. É sempre preferível, quando o dano é inevitável, causar menos dano. Creio que qualquer pessoa, a menos que seja nazista ou coisa parecida, terá que concordar com este princípio. E o fato indiscutível é que comer e usar plantas diretamente causa menos dano, porque se temos que infligir dor, e podemos optar em infligir dano a animais E plantas ou só a plantas, o melhor a fazê-lo é causar dano só às plantas. Até porque, afinal, os animais também comem plantas, e um boi, alguns porcos ou muitas galinhas comem muito mais plantas do que um ser humano comum. Se considerarmos o tanto de animais para consumo que existem no planeta, veremos quantas toneladas de plantas nós lhes damos para os comê-los depois, o que será revertido numa quantidade bem menor de carne, que além de tudo é um alimento mais pobre. Aqui percebe-se como até de uma pergunta banal, provavelmente debochada, pode-se extrair uma reflexão relevante. Se esse interlocutor hipotético acha mesmo que devemos consideração às plantas, ainda assim teria de ser vegetariano: produz-se e consome-se muito menos plantas se nos alimentamos diretamente delas, causando, conseqüentemente, menos dano não só aos animais, mas às próprias plantas e a todo o ecossistema. Tantas plantas sendo dadas a animais é desperdício de comida e uma pressão extra sobre as florestas remanescentes. É mais racional, sob todos os aspectos, alimentar-se diretamente de fontes vegetais. Além de poupar os animais, desse temos mais excedente de alimentos (ajudando no combate à fome, que é um fenômeno político) e ajudamos a reduzir a dependêndia da importação de alimentos e a derrubada de florestas.

7b. Se, em todo caso, a pessoa DE FATO se preocupa em poupar a vida das plantas, ela tem a opção de adotar o frugivorismo (frutos e frutas), que embora restrito e requeira muito cuidado, é viável. Não há, sob qualquer prisma, em qualquer sistema de crenças, qualquer dilema ético na alimentação frugívora, afinal, as frutas não são seres vivos, são parte do sistema reprodutor dos vegetais, e EXISTEM PARA SEREM COMIDOS, pois é ao comê-los que os animais espalham as sementes dos vegetais, permitindo assim que nasça uma nova geração deles. Mas daí cabe a ressalva do que mencionei no item 6: para ser coerente, o frugívoro não pode usar nada de origem vegetal, que é justamente o que os veganos fazem em relação aos animais.

Quem quiser saber mais sobre os estudos sobre a sensibilidade das plantas e sua contestação: http://brazil.skepdic.com/plantas.html

Quis ser o mais abrangente possível neste texto, para dar argumentos aos vegetarianos confrontados com essa “pegadinha” dos onívoros. Minha experiência mostra que raramente precisamos usar todos esses contra-argumentos. Depois de um ou dois deles, as pessoas desistem de nos questionar, diante da fragilidade de seus próprios “argumentos”.

Crédito da Foto: Rachel Siqueira

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PREVISÃO PARA A PRÓXIMA POSTAGEM: 07 de Julho de 2008.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Leite e Ovos: Escravidão Abjeta



Este texto foi divulgado há alguns meses no Orkut. Após uma revisão, vou publicar no blog onde ele poderá ter mais e novos leitores

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Uma das coisas que mais me surpreende no universo dos direitos animais, e seus defensores, é como ainda se vê, entre vegetarianos, especialmente os que conhecem a realidade da pecuária, quem defenda ou não veja problemas no consumo e produção de leite e ovos, e que hesite tanto antes de aderir definitivamente ao veganismo.

Eu só encontro uma justificativa aparente para isso: as pessoas não vêm essa produção como tão cruel como a de carne, por teoricamente – e apenas teoricamente – não envolver morte. No entanto, é fácil demonstrar que a realidade é muito mais complexa – e terrível – do que parece.

A primeira questão que gostaria de ressaltar é que o consumo de leite é muito mais antinatural que o consumo de carne. Segundo os biólogos, o ser humano evoluiu comendo carne. Na natureza, onde a alimentação é incerta, isso possibilitou a ele encontrar nutrientes concentrados importantes numa época em que não se sabia quando viria a próxima refeição. Além das vantagens que isso trouxe ao indivíduo, beneficiou também o desenvolvimento das coletividades, que puderam prosperar, crescer.

O consumo de leite veio muito depois, quando o homem descobriu que, ao invés de caçar, ele podia criar suas vítimas. Daí a vaca estava lá, prontinha pra ser comida, porque não tirar o leite dela primeiro? Ora, é possível comer carne de um animal livre. Tomar seu leite, nunca. Experimentem ordenhar um mamífero selvagem. Vocês vão descobrir que é mais fácil (e lógico) matá-lo e comer sua carcaça.

Com esta argumentação não estou defendendo o consumo de carne. Com a sedentarização e a agricultura, ela é totalmente desnecessária. Eu estou sim criticando o consumo de leite. Enquanto ordenharmos as vacas, elas nunca poderão ser livres, e esse é, na verdade, o ponto principal.

Isso vale também para os ovos. Na natureza era possível colher ovos de aves. Bastava espreitar seus ninhos. Mas estes eram ovos fecundados, que não entram numa dieta vegetariana. Os ovos que todos consumimos são ovos não fecundados. E para obtê-los, novamente, precisamos de animais domesticados – criados em cativeiro. "Cativo" é outra palavra para seres que são propriedade, que são escravos. Escravos são seres cuja existência é dependente de outro ser para o qual trabalham. É a condição à qual reduzimos vacas e galinhas. Mas voltando aos ovos... Ora, para a galinha dar ovos não fecundados ela não pode ter relações sexuais. Isso significa: nenhum galo por perto. A vaca tem o problema oposto: tem que estar sempre prenhe. Vidas totalmente dependentes e artificiais. Mesmo que sejam criadas soltas, elas continuam reduzidas à condição de coisas. De máquinas de dar ovos e leite.

A realidade das galinhas de granja e vacas de fazenda é mórbida: confinamento, mutilação, hormônios para aumentar a produção, antibióticos e posterior assassinato. Alguém duvida que essa linha de produção é ainda mais cruel que a da carne pura e simples? Seja por causa dos hormônios ou devido à manipulação genética, uma vaca é forçada a produzir artificialmente muito mais leite do que produziria naturalmente. Isso é doloroso. Imaginem uma mulher tendo que dar 12 vezes mais leite do que é capaz: ela ficaria com os seios inchados, teria risco de infecções, teria dores na hora em que fosse “ordenhada”. Agora imaginem que se faça isso sistematicamente com uma mulher, ano após ano. É o que acontece com a vaca – mesmo a que pasta solta. Por isso os bem-estaristas alegam que a vaca precisa ser ordenhada, senão morre – mas se o ser humano cometeu o erro de modificá-la em prejuízo da mesma, isso serve de licença para o ser humano de hoje persistir no erro? Existe mesmo alguma justificativa para isso?

Para concluir, o “argumento” definitivo dos ovo-lacto-vegetarianos e bem-estaristas: podemos ter leite e ovos sem matar vacas e galinhas. Se você continua achando que podemos ser bons senhores sem matar nossos escravos, eu quero dizer que matar é sim parte necessária do processo.

Hoje somos mais de 6 bilhões de pessoas. No mundo ocidental, o consumo de carne, leite e ovos é gigantesco. Para atender a essa demanda a produção tem de ser em escala industrial. A produção industrial não comporta o bem-estarismo.

Explico. Basta tentar estimar quantos litros de leite e dúzias de ovos se vê nos supermercados. Todos abarrotados de leite e ovos, de norte a sul do país, e no mundo inteiro. Milhões de toneladas de leite e ovos. Para termos tanto leite e ovos, precisamos de muitas vacas e galinhas. Para que a humanidade os tenha nessa quantidade absurda, vacas e galinhas, além de ser entupidas de hormônios e geneticamente manipuladas, precisam ser confinadas, para que caibam mais delas em menos espaço. Imaginem o efeito que os hormônios, o estresse, os antibióticos fazem no seu organismo. Será que elas levam uma vida saudável?

Não levam. E elas não consegue levar esse “estilo” de vida adiante por muito tempo. Vacas não são capazes de produzir leite 12 vezes mais do seu organismo fabrica naturalmente por toda a sua vida fértil. O mesmo vale para a quantidade de ovos que as galinhas são forçadas a pôr. Alguém acha que o produtor iria mantê-las vivas por mais 10, 15 anos, depois que não produzissem mais, ou sua produção caísse, sabendo que aquele espaço (ínfimo) que elas ocupam é necessário para obter o leite de outra vaca, e os ovos de outra galinha, ainda férteis? É por isso que, embora uma vaca possa viver mais de 20 anos, e uma galinha, mais de 10, elas são mortas muito antes disso: cerca de 4 anos, no caso das vacas; cerca de um ano e meio, no caso das galinhas. Mesmo que elas pudessem morrer “naturalmente”, o mais provável é que elas não sobrevivessem ao processo. E, se sobrevivessem, teriam uma existência miserável. A demanda nunca acaba.

Além disso, para termos uma nova geração de galinhas, precisamos fecundar os ovos às vezes. Temos mais galinhas do que galos... Alguém imagina o que acontece com os pintos machos, que como os bezerros machos não valem nada para o produtor? Se há alguém que não sabe a resposta, eu a antecipo: bezerros e pintos machos são descartados, isto é: mortos o mais rapidamente possível. Os pintos são triturados e vão parar na ração de animais domésticos. Os bezerros machos podem ser mortos ao nascer: esses são os sortudos. Os azarados irão viver 4 meses em confinamento, no escuro, amarrados, para não desenvolver músculos, e propositadamente subnutridos, para que da sua anemia e fraqueza o ser humano obtenha a carne macia, clara e de baixa gordura conhecida como carne de vitela.

Mesmo que o mundo fosse ovo-lacto-vegetariano, as vacas e galinhas continuariam sendo mortas – como são mortas a maioria das vacas e galinhas criadas soltas hoje. A única outra saída que eu encontraria para que elas tivessem uma vida mais longa seria se o consumo reduzisse drasticamente, a ponto de leite e ovos serem luxos a ser consumidos em datas e ocasiões especiais. Mas ainda assim, elas seriam escravas. E ainda haveria o dilema do que fazer com os machos – se não vamos comê-los, para onde eles irão?

A solução mais lógica e racional é o veganismo. Ser ovo-lacto-vegetariano não basta, se você acredita que os animais merecem respeito.

Mas então porque ainda existem tantos ovo-lacto-vegetarianos? Claro, ainda existem aqueles desinformados a quem escapa a realidade da produção de laticínios e ovos. Mas por experiência própria, como ativista, sei que muitos ovo-lacto-vegetarianos conhecem essa realidade, mas relutam e criam justificativas para não aderir ao veganismo. Infelizmente, eu só posso deduzir uma resposta que explique essa situação. A maioria dos vegetarianos, antes de respeitar os animais, tem natural repulsa pela carne, o que é explicável: é carcaça em decomposição, sanguinolenta e mal-cheirosa. Isso é ótimo para se dar o primeiro passo. Mas é insuficiente para dar o passo definitivo. Alimentos “disfarçados”, como gelatina, leite e ovos, ou alimentos que levam estes ingredientes, são bem tolerados por terem uma aparência menos (ou nada) repulsiva. As pessoas que se dizem vegetarianas pelos animais, mas não conseguem aderir ao veganismo, pelo jeito, têm mais repulsa aos animais mortos do que respeito pelos animais vivos...

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PREVISÃO PARA A PRÓXIMA POSTAGEM: 24 de Junho de 2008.