segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Testes em laboratórios: cruéis, desnecessários, perigosos



Muito se tem falado sobre os testes em laboratório, e mesmo assim esse tema ainda está longe de alcançar o consenso necessário para ser o passo definitivo - mesmo entre os vegetarianos e defensores dos animais.

É sabido, público e notório que não precisamos de carne para viver. Que não precisamos de zoológicos, rodeios, rinhas, corridas de animais... É muito fácil e cômodo se posicionar contra estas coisas. Nenhuma delas implica um sacrifício muito grande ou uma dúvida razoável.

Mas quando se trata da abolição definitiva de produtos de origem animal ou de boicotar os testes em laboratório a coisa muda de figura. Aí mesmo pessoas supostamente defensoras dos direitos dos animais recuam, tergiversam, relativizam. Existem dois problemas com essa postura. Uma referente à ignorância que permeia essas opiniões. Outra referente a uma ética pela metade - que se revela, portanto, como ética nenhuma.

Vamos primeiro à ética, porque este é o ponto primordial.

Quando se debate sobre os direitos fundamentais de indivíduo, são os direitos e necessidades desse indivíduo que devem ser levados em consideração. Pouco importa se a defesa desses direitos fundamentais poderá afetar negativamente os interesses de outro indivíduo. Por isso tantos abolicionistas insistem no paralelo entre a exploração animal e a escravidão humana: quando se debate os direitos dos animais cria-se uma suposta e arbitrária hierarquia em que os interesses mesquinhos, não essenciais de um ser humano estão acima dos interesses fundamentais de qualquer animal à vida, à liberdade, à integridade física e psíquica.

E fica claro, então, que a ética que rege nossas relações com os animais não é uma ética verdadeira, mas uma definição de critérios de como podemos explorar animais, sob que circunstâncias, e para que fins. E daí estabelece-se que aprisionar, torturar e matar animais é justo e necessário para salvar vidas humanas.

Essa postura é a miséria moral do ser humano. Não é eticamente justificável submeter animais à dor e sofrimento constante para extrair disso benefícios próprios - da mesma forma que não é eticamente justificável submeter outros seres humanos à dor e sofrimento para atingir o mesmo fim.

Quando em defesa dos testes, os vivisseccionistas costumam cair em contradição. Afirmam que é eticamente justificável pois esses animais não são como nós. Mas afirmam que os testes são seguros e úteis devido às semelhanças desses animais conosco.

É verdade, nós temos muitas semelhanças com os outros animais. Longe de justificar a validade da vivissecção, essa constatação expõe toda a sua imoralidade. Animais que são sensíveis, dotados de sentimentos, raciocínio, de interesses, capazes de sentir dor e prazer - como nós - não podem ser submetidos a tamanhas sevícias sem que haja uma doença profunda na humanidade, muito maior que aquela que pretendemos curar com tais testes - uma doença ética, moral, em que o ser humano, a despeito de ser dotado de reflexão, opta por ignorar o sofrimento que provoca em suas vítimas porque seu cálculo matemático, utilitarista, especista, afirma que é melhor matar alguns milhões de animais para, assim, preservar vidas humanas. Essa é a justificativa que apresentam. E muitos supostos defensores dos animais caem nessa armadilha.



A realidade é, porém, muito mais atroz do que esse suposto dilema moral entre matar uns para salvar outros. E é essa realidade que precisa ser debatida publicamente para enterrar os argumentos "altruístas" dos defensores dos testes em animais.

Em primeiro lugar, muitos dos testes que são feitos são arcaicos, ultrapassados, e apenas levados adiante porque são formas baratas de conseguir um certificado de "segurança" para um determinado produto.

Em segundo lugar, a "segurança" que se busca com esses testes não é a segurança do cidadão - ou "consumidor". É a segurança da empresa que comercializa aquele produto - sejam cosméticos ou medicamentos. Para atestar a "segurança" de um shampoo, por exemplo, coelhos são expostos ao composto até ficarem cegos - quando qualquer ser humano sabe que deve evitar o contato do shampoo com os olhos e, se acidentalmente isso acontecer, será por um período de poucos segundos, após o qual todos sabemos que devemos lavar os olhos com água em abundância. Com o conhecimento que acumulamos ao longo dos tempos não precisamos mais torturar animais para chegar a certas conclusões.

A partir daí muitas pessoas passam a concordar com a abolição dos testes de cosméticos e outros produtos supérfluos. Mas e os medicamentos? Eles não salvam vidas?

Aqui, há que se considerar primeiramente a enorme quantidade de erros que o modelo da experimentação animal produziu ao longo das décadas. A maioria dos medicamentos aprovados em testes com animais são posteriormente reprovados na fase de testes com seres humanos ou então recolhidos após breve período de comercialização.

Diversos profissionais das áreas médicas e biológicas sabem disso e concordam que o método da experimentação animal, além de cruel, é arcaico e mentiroso. Existem outros métodos para se produzir medicamentos seguros para o ser humano, mas estes não são adotados porque a experimentação animal é, antes de tudo, uma indústria. Um indústria que movimenta muito dinheiro, garante emprego e prestígio a cientistas, publicações em periódicos, além de renda para os criadores de animais e fabricantes de equipamentos.

E isso não é tudo. Tão importante quanto o negócio da vivissecção é o paradigma "científico" por trás do modelo animal. O paradigma dominante na medicina, da experimentação controlada, é do século XIX e já se mostrou obsoleto, no século XX, a partir dos avanços da física: hoje se sabe que a experimentação em laboratório JAMAIS será idêntica à observação do ambiente natural. Isso se chama interferência do pesquisador, que compromete a objetividade do estudo. Em outras palavras: um macaco enjaulado não se comporta da mesma forma que um macaco em liberdade. Mesmo médicos sabem disso, e basta verificar como o comportamento do próprio ser humano é diferente em sociedade ou numa prisão.

Inteligência e recursos são drenados em pesquisas marcadas por um paradigma obsoleto que leva a resultados enganosos. Assim, longe de garantir o "progresso da ciência", como afirmam seus defensores, a vivissecção se funda num atraso que continua se propagando ano após ano, década após década.

E também igualmente importante é questionarmos, afinal, a forma como temos tentado curar doenças por todo esse tempo. O ser humano vive, muitas vezes de forma imposta pelo estilo de vida contemporâneo, exposto a diversos fatores de insalubridade: má alimentação, drogas (legais ou ilícitas), poluição, estresse, insônia, depressão... Nem sempre é possível controlar o grau de exposição a estes fatores. Mas muitas vezes isso é possível. E a alimentação, por exemplo, é um fator decisivo no bom funcionamento do organismo. Depois de passar uma vida inteira explorando animais para se alimentar, o ser humano, envenenado pelas toxinas da carne, busca a solução para uma doença que poderia ter evitado através de um medicamento testado em outros animais. A natureza e os animais pagam o preço da nossa ignorância e arrogância.

E, logicamente, a indústria farmacêutica agradece. Ela vive da doença, não da saúde. Não é inteligente supor que seja do interesse dessas pessoas salvar vidas, curar doenças. E aqui fica claro que também a saúde humana é uma questão social, econômica e POLÍTICA. A vida insalubre que é promovida e imposta a nós é o fator primordial para manter a engrenagem do sistema... e ainda rende lucros através da busca de cura por meio de medicamentos. Antes o milagre vinha da fé. Agora temos a mesma fé cega nos milagres da ciência. E somos incapazes de supor que o mais inteligente é vivermos de modo a não depender de milagres: uma vida livre de toxinas, agrotóxicos, hormônios, drogas e produtos químicos em geral. Uma vida em que, respeitando a nós mesmos, nossos semelhantes e a natureza, poderemos ser mais felizes e plenos.

OBS: Existem várias fontes disponíveis atualmente para quem quiser aprender mais sobre a torpeza da vivissecção e formas éticas de se fazer ciência, tratar doenças, educar novos cientistas. Por favor, antes de afirmar impulsivamente que a vivissecção existe para salvar vidas humanas e o faz com eficiência, pesquise:

http://www.internichebrasil.org/ (Rede que promove a abolição do uso de animais na educação)

http://www.nutriveg.com.br/ (artigo sobre vivissecção)

http://www.fbav.org.br/ (Frente Brasileira Anti-Vivissecção)

http://www.sentiens.net/ (diversos artigos sobre vivisseção)

www.pea.org.br/crueldade/testes/index.htm Link para a lista das empresas que testam e as que não testam em animais. O boicote é nossa arma de luta, não faz sentido sermos contra essas atrocidades continuarmos financiando-as.

Recomendo ainda a leitura do livro recém-lançado "Ética e Experimentação Animal: Fundamentos Abolicionistas", da doutora em ética Sonia Felipe.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Deus abraâmico e antropocentrismo*



Estamos em época de festas religiosas. Aproxima-se o Natal, uma celebração de nascimento, vida, paz e amor que, contudo, se dá em meio a uma mesa farta em cadáveres. Nesta época se dá também a peregrinação a Meca, um dos deveres dos muçulmanos, e dentre os ritos desta peregrinação, o sacrifício de animais como meio de reviver o auto-de-fé do patriarca Abraão que, prestes a sacrificar seu próprio filho em nome de Deus, teve este sacrifício impedido no último minuto pela "infinita bondade e misericórdia" divina e, no lugar do filho, sacrificou um cordeiro.

Para leigos, teocentrismo e antropocentrismo são fenômenos distintos. Assim aprendemos na escola: que a Idade Média foi a era do teocentrismo, quando a vida girava em torno da religião, e esse teocentrismo foi abalado pela Renascença, que deu lugar para o humanismo e o antropocentrismo, tão bem resumido no monólogo de Shakespeare:

“Que obra-prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Como é infinito em faculdades! Em forma e movimentos, como é expressivo e admirável! Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus! A maravilha do mundo! O padrão de todos os animais! E contudo, para mim, o que é esta quintessência do pó?” (William Shakespeare, Hamlet, cerca de 1600, tradução minha).

Na verdade, a questão é muito mais complexa que isso. A fé monoteísta de judeus, cristãos e muçulmanos é, de fato, uma das maiores manifestações do antropocentrismo no pensamento humano, como a própria história de Abraão mencionada acima pode comprovar - esta como outras passagens do Antigo Testamento - e, também, uma breve análise de preceitos básicos do monoteísmo judaico, cristão e islâmico.

As passagens da Bíblia sobre a relação com os animais são às vezes contraditórias, e não sendo eu teólogo, não me atrevo a tentar fazer uma interpretação exaustiva e profunda. Basta constatar que a maioria esmagadora da humanidade tem da Bíblia o mesmo conhecimento limitado que eu. E a leitura que esses seres humanos leigos fazem da Bíblia tem levado à justificação do seu domínio sobre os demais animais.

Limitemo-nos, então, ao mais óbvio: a afirmação, no Gênesis (logo, base das três religiões abraâmicas) de que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Não importa se tomamos essa frase no sentido literal (como fizera Michelangelo em sua famosa representação de Deus da Capela Sistina, que podemos ver abaixo) ou no sentido figurado, de que somos feitos à imagem de Deus porque espelhamos suas qualidades, sua bondade, sua sabedoria, seu amor (teria sido o pecado que teria afastado o homem de Deus e levado à sua natureza imperfeita).



Essa passagem reflete a idéia de que o ser humano é especial, distinto das demais "criaturas", e portanto apto a reinar sobre elas. Afinal, se temos uma natureza divina (ao menos em parte), somos superiores aos demais seres, que sequer alma têm - apenas nós podemos aspirar à vida eterna. Ora, se Deus nos dá uma natureza especial, divina, e nos permite reinar sobre a natureza e os outros animais, fica nítido o conteúdo antropocêntrico do monoteísmo das três religiões abraâmicas.

O antropocentrismo religioso fica mais nítido ainda quando paramos para refletir quem é, afinal, o criador, e quem é a criatura. Não havendo qualquer indício, prova ou evidência lógica e racional incontestáveis da existência de Deus, é justo imaginar que o criador é, muito possivelmente, o ser humano. É o ser humano que cria deuses à sua imagem e semelhança. Por isso os deuses são tão humanos: capazes de extrema bondade, mas também de atos cruéis e vingativos - e quem já leu o Antigo Testamento sabe que crueldade e vingança não são atributos específicos dos deuses pagãos. O ser humano cria deuses para afirmar sua própria natureza divina. Mas nem todas as religiões podem ser consideradas, por isso, antropocêntricas. As religiões politeístas têm, muitas delas, deuses com aparência de animais não-humanos. A crença de religiões orientais na reencarnação, comum, por exemplo, ao hinduísmo, o taoísmo, o budismo e o jainismo, afirma uma integração cósmica em que nenhum ser pode ser considerado superior a outro. Não surpreendentemente, estas religiões estendem aos demais animais os preceitos de não-violência, quando não defendem explicitamente o vegetarianismo. Em algumas culturas, porém, o ser humano separa os demais animais da divindade e da espiritualidade. E não se torna surpreendente que são essas culturas as que mais desrespeitam, exploram, vilipendiam dos demais animais e da natureza como um todo.

O monoteísmo abraâmico, especialmente em sua versão popular, optou por dividir a natureza humana em duas: a boa e a má, que posteriormente separou nas figuras de Deus e do Diabo (Satanás). As aspirações morais do ser humano se tornaram aspirações divinas e a violação das mesmas, atos pecaminosos. Muito freqüentemente os atos imorais são qualificados como bestiais, ou seja, típico das bestas, das feras, dos animais não-humanos. Assim, ao mesmo tempo atribuem nossa moralidade a uma entidade externa - Deus - e nossos desvios morais às "feras" a quem Deus e sua "moralidade" é inalcançável e até oposta. Desse modo, nós acabamos afirmando não apenas nossa superioridade sobre os animais, mas também nos separando totalmente desses. Os animais têm "instintos", nós "razão" e "sentimento", os quais vêm de Deus, e só tangível a nós, que temos alma e fomos criados à sua imagem e semelhança. Isso é não apenas uma negação da nossa própria condição de animais, mas igualmente a negação aos animais não-humanos da posse de qualquer atributo tido como humano, o que mostra que as religiões abraâmicas, além de antropocêntricas, são especistas. Especismo que foi estendido às ciências (cuja origem não está apartada da fé), sob o mito dos animais como seres "autômatos", "irracionais" e puramente instintivos - mito que, embora já refutado pelos próprios critérios da ciência, continua forte no subconsciente coletivo ocidental.

O Deus abraâmico é um Deus antropocêntrico e especista, ou ao menos assim é concebido pela maioria esmagadora daqueles que nele crêem. Por isso, nesta época, os cristãos celebram o Natal, data símbolo da paz, do amor, do nascimento do Messias, matando animais em massa e comendo suas carcaças, sem qualquer indício ou resquício do amor e compaixão que é a pedra fundamental de sua fé.

*Obrigado a Glauber Klein pela revisão e sugestões.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Por que Veganismo?


“Quem cala sobre teu corpo, consente na tua morte (...). Quem grita, vive contigo”
Ronaldo Bastos


De tudo o que foi mencionado na postagem anterior resta então a pergunta: o que fazer? Como ser de fato um abolicionista?

Há muito o que se pode fazer pelos animais. Mas o mais básico de tudo, antes de se fazer manifestações, passeatas, panfletagens, pressionar por leis, é se tornar VEGANO.

Veganismo, como defini anteriormente, é o boicote a todo e qualquer subproduto da exploração animal, não só a carne – inclusive a de peixe, que muitos “vegetarianos” admitem –, mas leite, ovos, mel, seda, couro e peles em geral, além de produtos testados em animais. Teremos oportunidade de debater mais detidamente cada um desses itens. Por ora quero dizer por que devemos ser veganos.

POR UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA. Me esforcei em demonstrar as injustiças que praticamos contra os animais todos os dias, quando nos permitimos usá-los como a objetos inanimados, sem sensibilidade ou sentimentos. Na pecuária, seja extensiva ou intensiva, industrial ou tradicional, os animais são explorados e mortos, descartados quando considerados inúteis, não há consideração pelos seus interesses. Nos laboratórios os animais passam por sevícias ininterruptas, sendo cegados, queimados, isolados, envenenados, mutilados, manipulados, e justifica-se isso em nome da ciência e do bem-estar da humanidade. Mas que bem-estar é esse que vem às custas de sofrimento?

POR UMA QUESTÃO DE NECESSIDADE. Sendo a exploração animal desnecessária, aboli-la la torna-se, conseqüentemente, uma necessidade. Uma necessidade, inclusive, para o desenvolvimento pleno da humanidade e suas potencialidades. Aprendermos a preservar a natureza e a vida animal não é uma questão sentimental. É uma questão de justiça, como afirmei antes. E também uma necessidade prática: nossas ações predatórias comprometem a nossa existência, e a existência de muitas espécies de animais e plantas. A pecuária é nociva para o meio-ambiente: para criarmos pastos, destruímos florestas, comprometemos a existência de fauna e flora selvagem. Os rebanhos emitem gases do efeito estufa, seus dejetos poluem rios e solo. Não há como alimentar 6 bilhões de seres humanos à base de alimentos de origem animal.

POR UMA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA. É sintomático perceber que o ser humano, que se julga sábio, sensível, sublime, trata os animais com tamanho descaso, desrespeito, desprezo. Será que podemos mesmo aspirar justiça, liberdade, paz, enquanto somos tiranos para aqueles sobre os quais podemos exercer nosso poder? Que tipo justiça existe apenas quando somos impelidos pela lei nos códigos ou livros sagrados a agir moralmente apenas para não sermos punidos ou, em contrapartida, recebermos graças? Só poderemos viver numa sociedade livre e justa quando justiça e liberdade forem valores em si para o ser humano, e não meras moedas de troca, meios para atingir a fins egoístas, sejam esses fins materiais ou transcendentais. Esse ponto foi muito bem ressaltado pelo escritor Milan Kundera em A Insustentável Leveza do Ser, seu mais famoso romance:

A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda a pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, num nível tão profundo que escapa ao nosso olhar) são as relações com aqueles que estão à nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio do homem, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras. (KUNDERA, Milan. A Insustentável Leveza do Ser. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 [1984], p. 325.)

POR UMA QUESTÃO DE COERÊNCIA. Uma vez que tenhamos despertado para uma realidade, precisamos agir em conformidade com o que descobrimos. Conhecimento sem aplicação não tem qualquer valor – é mero exercício estético, soberba, “saber por saber”, egocentrismo. O conhecimento implica responsabilidade. E aí reside simultaneamente a solução e o problema. Solução porque o ser humano deve aprender a ser responsável. Responsável por seus atos, por seus semelhantes, pela sua morada. Mas ele também aprendeu a aceitar sem questionar a realidade que lhe é imposta. Acomodar-se. Nesse sentido, o governo é também uma benesse e uma maldição. Pois o ser humano se sente mais seguro tendo um governo para delegar responsabilidade e pôr a culpa.

É inquietante saber que podemos fazer algo a partir de nós mesmos, no nosso cotidiano, que muitas injustiças dependem apenas de nós para acabarem. Que a preservação do planeta também depende de nós. Que mesmo as relações interpessoais têm muito a ver com o tipo de mudança que queremos no mundo. Não adianta aspirarmos por paz, liberdade, igualdade, se não as praticamos no dia-a-dia, com nossos semelhantes: se somos autoritários, oportunistas, egoístas, aproveitadores, arrogantes, desrespeitosos, possessivos, mesquinhos, manipuladores... como esperar que haja justiça no mundo?

E isso também se refere aos animais não-humanos. Conscientes da exploração de que são vítimas, devemos refletir sobre o que podemos fazer para impedir que esse massacre continue, sob pena de nos tornarmos cúmplices.

É isso que quero fazer com estes textos. Despertar consciências para uma realidade atroz, a necessidade de mudá-la e a possibilidade concreta de, individualmente, fazermos algo para que essa mudança ocorra tão breve quanto possível.

O veganismo nos desperta, assim, para muito mais além da triste realidade da exploração animal: ele nos desperta para o poder transformador e libertário presente no ser humano, em cada indivíduo. Um poder que traz consigo a responsabilidade de agir de acordo com ele: não basta querer que as coisas mudem; é preciso mudá-las em nós mesmos, e assim o fazendo, teremos certeza que estamos contribuindo para que mudem definitivamente em toda a sociedade, em todo o planeta.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Por que Abolicionismo?


Bois confinados: mais carne em menos espaço.


Ainda na série dos textos introdutórios, quero falar mais diretamente sobre o abolicionismo, ou seja, a doutrina da libertação animal. Posteriormente, irei mencionar então, o veganismo, e então creio que estaremos todos prontos para debater questões mais específicas.

A premissa básica do abolicionismo é muito simples e inteligível para qualquer pessoa: nenhum indivíduo é propriedade de outro, todos devem ter direitos iguais à liberdade e nenhum deve ter o direito de dispor sobre a vida e a liberdade de outro indivíduo. O abolicionismo animal estende esta premissa além da espécie humana, para todos os indivíduos do mundo animal.

O motivo para isso me parece tão óbvio quanto o azul do céu. Há apenas uma explicação para um embotamento tão grande da mente que torne as pessoas cegas a essa explicação, a qual irei expor depois. Por ora, o motivo:

Todo animal é dotado de sensações e sentimentos. Eles são capazes de sentir dor e prazer. Eles são capazes de procurar, por si mesmos, aquilo que lhes proporciona bem-estar, e evitar aquilo que lhes prejudica, seja como for. O nome desse dom é SENCIÊNCIA. Todo animal dotado de sistema nervoso central o possui.





Porcos confinados em fazendas de criação intensiva. As mães amamentam seus filhos através de grades.


Possuir SENCIÊNCIA significa que, ao aprisionarmos um animal, interferirmos na sua natureza, o separarmos de seus semelhantes, o infligirmos dor desnecessária através de experimentos de laboratório, castração e maus-tratos em geral e, em última instância, o matarmos, estaremos, deliberadamente, sem uma justificativa razoável, causando sofrimento a um indivíduo.

E por que isso seria moralmente inaceitável? Por dois motivos. Primeiro porque o ser humano é um ser moral, capaz de refletir sobre as implicações de seus atos. E é um DEVER do ser humano agir de acordo com essa capacidade. Dizer que os animais não têm a mesma capacidade de reflexão ética não justifica tratá-los como objetos dos quais podemos dispor. Afinal, bebês, crianças, pessoas em coma... Também não têm ou têm de forma muito limitada a capacidade de refletir moralmente. E isso não faz com que seja justo dispor de suas vidas. O que nos leva ao segundo motivo: não existe nada na natureza – NADA – que justifique a dominação que o ser humano impõe sobre as demais espécies.



Ordenha. E o filhote?


O filhote, se for macho, em geral, vira vitela: 4 meses confinado, no escuro, antes de morrer.


O ser humano gosta de justificar sua dominação através de uma suposta superioridade. Em primeiro lugar, não há superioridade na natureza: cada espécie se basta, tem sua própria função e a ela está adaptada, todas têm um papel no equilíbrio ecológico e existem para seus próprios interesses. As diferenças existentes não significam absolutamente nada, até porque não há nada que o ser humano seja capaz de fazer que não seja feito também pelos animais que o ser humano, arrogantemente, qualifica como “irracionais”. Vejamos:

Os animais são dotados de linguagem, umas mais sofisticadas, outras menos, mas ainda assim as possuem. Mesmo animais considerados tão “primitivos” como insetos têm linguagens às vezes tão complexas que o ser humano até hoje não decifrou – é o caso dos vaga-lumes, que usam sua capacidade de refletir luz para a comunicação.

Alguns animais são capazes de construir ferramentas, como é o caso dos primatas ditos “superiores”. Construir ferramentas é produzir alterações na natureza. “Transformar a natureza” é a habilidade que define a existência de cultura.

Muitos animais são dotados de auto-consciência, ou seja, conscientes de serem um indivíduo. Isso pode ser constatado pela capacidade de se reconhecer no espelho, por exemplo. Os cientistas atribuem esta capacidade apenas aos tais primatas “superiores” e os golfinhos. Muitos defensores dos animais acreditam que muitas outras espécies de animais possuem auto-consciência, em maior ou menor grau.

Muitos animais são dotados de memória prodigiosa, e são capazes de solucionar problemas e interpretar situações. É um mecanismo básico da sobrevivência de qualquer animal: se você sobrevive a uma situação de perigo, você a irá evitar no futuro, para preservar-se. Se você vive uma situação prazerosa, você irá querer revivê-la. Um exemplo muito claro, e que novamente mostra que de forma alguma essas características se limitam a animais mais “complexos”, é como os animais aprendem a distinguir presas e plantas venenosas. O mal-estar causado pela ingestão de animais ou plantas venenosas faz com que um passarinho, por exemplo, não volte a comer daquele animal ou planta. Isso não é instinto, é aprendizado. A isso se chama raciocínio.

Muitos animais também praticam o sexo por prazer. E mesmo aquilo que Claude Lévi-Strauss achou ser o diferencial definitivo entre humanos e animais, se mostrou um equívoco: bonobos, os chimpanzés-pigmeus, também praticam o sexo frontal, olho-no-olho.

Mesmo a consciência do tempo e até a pedra final do argumento antropocêntrico, a transcendência, não são exclusivamente humanas. Elefantes, por exemplo, reconhecem as ossadas de seus antepassados, as tocam, as contemplam. Isso é uma clara demonstração de percepção da própria transitoriedade (se acharmos que a ação de defender-se do perigo for apenas instintiva...).

Por outro lado, não só muitas dessas sensações escapam a certos seres humanos – e nem por isso nos sentimos no direito de escravizá-los, maltratá-los, matá-los – como, em qualquer ser humano, nem tudo se explica pela racionalidade. Quando uma pessoa tem sua mão exposta ao fogo, a reação dela de tirar a mão para evitar a queimadura não é racional, mas instintiva. Quando ela vê fogo, entretanto, sua reação é racional, ela sabe interpretar que fogo é perigoso. O mesmo se dá com os demais animais. Assim sendo, as diferenças entre seres humanos e animais não-humanos são quantitativas, de grau, e não qualitativas, de tipo.



Galinhas poedeiras: máquinas de pôr ovos para atender à volúpia humana. Depois de um tempo, vão pra panela também...


Afirmar que as diferenças de habilidades entre seres humanos e outros animais implica em superioridade é tão absurdo quanto afirmar que pássaros, morcegos, insetos são superiores ao ser humano por serem capazes de voar sem precisar construir artefatos para isso. A única razão pela qual a habilidade de voar não é um argumento razoável para diferenciar “superiores” e “inferiores” é porque o ser humano não voa.

Mas na verdade a questão é muito mais simples que isso. Não se trata de comparar seres humanos e animais não-humanos no que se refere a determinadas características-chave. Isso só é feito para rebater os argumentos antropocêntricos. O essencial é que, mesmo que animais não possuam determinadas características por nós valorizadas – o que é verdade para certas espécies – todo animal merece ser respeitado em sua integridade física e psíquica com base na sua capacidade de experimentar dor e prazer. É IMORAL INFLIGIR DOR DESNECESSÁRIA A UM SER SENCIENTE. Simples assim.

Uma refutação freqüente a esta afirmação é, então, dizer que a natureza não é moral, que o leão come a gazela, mata os filhotes de outros leões, que a hiena devora sua presa ainda viva, etc., etc., etc. Como eu disse anteriormente, o leão, a hiena e todos os demais animais não são seres morais. E eles vivem de acordo com sua própria natureza: o leão e a hiena, como animais carnívoros, estão adaptados a esta dieta e dependem dela. Assim como o elefante e o cavalo estão adaptados à dieta herbívora. Daí, entramos até nas questões fisiológicas. Fisiologicamente o ser humano está muito mais adequado ao herbivorismo. O ser humano pode abrir mão da carne da sua dieta. Além disso, o leão e a hiena não criam, aprisionam e engordam sua presa. Na natureza, as chances são iguais. Na verdade, todos os predadores têm mais fracasso que sucesso em suas caçadas – as presas do leão têm a chance de escapar, o que é mais do que se pode dizer das vacas, porcos e outros animais confinados pelo ser humano. Enfim, a análise da fisiologia e da natureza associada aos pilares morais da humanidade mostram, claramente, que a criação de animais pelo ser humano, além de uma violação da natureza do animal, é um ato eticamente injustificado.



Cães enjaulados antes de serem comprados, como antes se comprava escravos humanos.


E o que impede o ser humano de enxergar isso? Um tipo de preconceito que afirma que o ser humano é superior aos demais animais. A este preconceito chamamos de ESPECISMO. Como tentei demonstrar brevemente, essa suposição de superioridade não tem qualquer fundamento. Exceto pelo fato de que, ora, somos humanos, e nos preocupamos mais com outros seres humanos que com outros animais. Isso é compreensível. Nós nos preocupamos mais com outros humanos, assim como nos preocupamos mais com nossos amigos que com estranhos. Assim, também, como nos preocupamos mais com nós mesmos que com nossos amigos. Isso, entretanto, não é justificativa para aprisionar, torturar e matar animais, estranhos ou amigos.
Do ponto de vista da ética, não importa nossos sentimentos por nossas vítimas, e sim o sofrimento que podemos lhes causar. Se e esse sofrimento é evitável, ele se torna moralmente errado.



Coelho vítima de testes: sofrimento ininterrupto.


Por fim, as pessoas, num laivo de “realismo” e “praticidade”, são capazes de afirmar: “mas muitas pessoas dependem da carne pra viver; a pecuária gera emprego e renda; os testes em laboratório são necessários para salvar vidas”. Tudo isso é facilmente refutável, e o será mais adiante. Por ora quero acrescentar, quanto a isso, apenas uma coisa: um dia também se afirmou que a escravidão humana era necessário para a prosperidade e o bem-estar de nosso país. A escravidão ter contribuído para a formação do Brasil não a torna justa, nem ontem, nem hoje. E isso nos leva a uma conclusão muito simples. Como disse o filósofo Tom Regan, “[Assim como] os interesses de quem se beneficia com a escravidão [humana] não deveriam ter qualquer importância na decisão de abolir as instituições que sustentam seus interesses, (...) os interesses de quem se beneficia da exploração animal não deveriam ter qualquer importância na decisão de abolir as instituições que sustentam seus interesses”.

Por isso somos abolicionistas: porque queremos que todos os animais sejam livres para buscar seu próprio bem-estar, sem a interferência indevida do ser humano. Sigamos nossas vidas e deixemos os demais animais seguirem as suas.



Você acha que só a criação moderna e industrial é cruel? Veja este porco sendo degolado numa aldeia portuguesa...


ABOLICIONISTAS: NÃO QUEREMOS JAULAS MAIORES, QUEREMOS JAULAS VAZIAS.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Filiação Política


Já mantive um blog, por um período de 6 meses, com dois amigos, nos fins de 2005. A motivação era basicamente a mesma que inspirava este blog nascedouro: oferecer uma visão alternativa da realidade.

Como era auge do escândalo do mensalão, inevitavelmente, além das questões teóricas que nos inspiravam, tivemos que lidar com a realidade conjuntural. O oferecimento de uma visão alternativa, entretanto, acabou sendo interpretado da forma míope e maniqueísta que informa o pensamento político dominante. Se nos recusávamos a fazer eco com as análises primárias e manipuladoras da "esquerda" petista, que reduzia todo um escândalo de corrupção, perda de princípios, luta crua pelo poder e aparelhamento do Estado a uma conspiração golpista, logicamente devíamos ser direitistas empedernidos ou, na melhor das hipóteses, tucanos. Pouco importava aos leitores as considerações genéricas que nenhuma afinidade tinham com a direita ou o capitalismo: se não éramos petistas, logicamente só poderíamos ser tucanos. Esse tipo de interpretação das nossas idéias foi um grande desestímulo à continuidade do finado blog. Além, da minha parte, do crescente desânimo com os modelos políticos vigentes.


Para evitar ou dirimir novas distorções das idéias que aqui serão publicadas, as minhas idéias políticas não estarão mais implícitas aos textos. Quero deixar claro, desde já, minha filiação política e como ela se manifesta. Por ora, brevemente. Com o tempo, meu pensamento político será exposto de forma mais extensa.


Tenho duas matrizes ideológicas que se complementam: o VEGANISMO e o ANARQUISMO. Sou vegetariano antes de ser anarquista, e anarquista antes de ser vegano. Minhas convicções anarquistas têm apenas se reforçado ao longo dos anos, e eu encaro, hoje, o veganismo e a libertação animal como sua extensão natural a todo o mundo animal. Não obstante, considero que é possível (embora improvável) que um dia me convençam que um governo não é uma má idéia. Mas seria apenas se me provassem que o governo é a única forma de assegurar a liberdade, a paz e a não-exploração. Portanto, mesmo que deixe de ser anarquista, jamais deixarei de ser vegano, pois meu veganismo deriva da convicção que a liberdade, a paz e a não-exploração deve ser a base não apenas das relações humanas, mas das relações humanas com a natureza.


Por muito tempo encarei o vegetarianismo como uma opção pessoal, e por isso não me mobilizei para divulgá-lo. Preferia militar na arena política tradicional, antropocêntrica. Não mais. Agora a libertação animal é a minha prioridade. Em primeiro lugar, não por eu achar que a libertação humana seja menos importante, mas porque, infelizmente, há muitos poucos conscientes da injustiça e exploração que o ser humano impõe aos animais não-humanos e da relevância de combatê-las. Decidi, então, fazer minha parte quanto a isso, e não mais silenciar minha consciência para uma questão tão candente. O segundo motivo é que, paradoxalmente, embora sejam menos que os militantes políticos tradicionais, eu tenho mais companheiros entre os defensores dos direitos animais que entre os (supostos) defensores da libertação humana. Enquanto a cena política estiver dominada pela mediocridade, pela mesquinhez, pelo arcaísmo, pelo autoritarismo, pelo instrumentalismo e oportunismo livre de verdadeiros princípios, o qual não se opõe, de fato, à injustiça, à violência, à manipulação, mas apenas à injustiça, violência e manipulação praticada pelos inimigos, eu não terei companheiros na cena política.


Além da questão dos princípios que informam a luta pela libertação humana, temos a questão de como a libertação humana é concebida em si. E aqui está a fonte principal de discordância. A cena política "libertária" está dominada pela estatolatria, pelo fetiche do poder, do governo, do Estado. Aqui vemos uma contradição interessante. Karl Marx, ao conceber o socialismo científico, tinha uma meta muito mais clara que os chamados socialistas utópicos: o fim da sociedade de classes e conseqüente fim do Estado, aquela forma de organização política marcada pela hierarquização e dominação própria das sociedades desiguais. Pois bem... os marxistas "modernos", na sua forma democrática ou extremista marxista-leninista, a esquerda pós-moderna, a Nova Esquerda, por motivos diversos, abriram mão do ponto primordial da doutrina marxista. De um modo mais sofisticado ou menos sofisticado, ficaram no meio do caminho: o Estado socialista, JUSTAMENTE a parte da doutrina marxista que falhou miseravelmente no século XX, levando alguns milhões de vidas a reboque. Da parte dos marxistas-leninistas isso não chega a ser surpreendente ou chocante.


No caso da esquerda democrática, o Estado foi fetichizado como meio de realização da democracia, embora a democracia pareça cada vez mais distante dos nossos horizontes, cada vez mais domesticada, oligarquizada, maquiada: as elites políticas e econômicas, as corporações, as classes dominantes aprenderam a manipular a democracia, conseguindo assim um grau de legitimidade que nunca antes tiveram, quando precisaram recorrer ao autoritarismo e ao oligarquismo.


Digo isso tudo não por me considerar marxista, mas por me espantar com a mediocridade e a "modernização" empregada pelos supostos depositários da teoria marxista, cuja leitura seletiva tira do marxismo a sua própria essência. Nada contra ser seletivo, mas esse marxismo, ao renunciar à essência da teoria que julga professar, acaba implicando num marxismo limitado, medíocre, ou abstrato: os militantes e intelectuais marxistas esqueceram e mesmo renegaram os objetivos de seu guru.


Também da parte da esquerda que não se pretende marxista - embora em geral mantenha vínculos com o marxismo - a estatolatria impera. A eles parece, hoje, que não é possível nem desejável pensar na superação da organização social hierárquica. No caso dessa esquerda pós-moderna, aí sim o espanto pode ser genuíno. Ao se pretender renovadora, esse campo da esquerda ecoa os mesmos preconceitos da esquerda marxista-leninista e da esquerda democrática. Ao pretender inovar no campo da ação e do pensamento, se mostra tímida, medíocre, tacanha, covarde, ao insistir em modelos políticos arcaicos e ao bloquear o debate que busca ir ao cerne da experiência social humana: a DOMINAÇÃO e, dessa forma, rejeitar o debate sobre a superação da organização social hierárquica - o Estado - como abstrato, utópico, inconveniente.


Hoje, o Estado é o grande consenso do debate político, seja no campo da ação, seja no campo da reflexão. Militantes e intelectuais se recusam a pensar a política além do Estado - com exceções, claro, as quais são, então, marginalizadas.


Com o tempo irei estender minhas reflexões sobre o Estado e as razões pela qual acredito que a liberdade, a justiça, a igualdade são incompatíveis com a existência do mesmo. Por ora quero apenas dizer que ser contra o Estado não é uma atitude de rebeldia juvenil impensada. As relações sociais são complexas e o estado de anarquia (letra minúscula, pois não se manifesta através de um aparato jurídico-político-militar centralizado) não será alcançado da noite para o dia. Mas este deve ser o horizonte. Como fazê-lo? Transferindo o poder para as comunidades, os indivíduos, descentralizando-o e definindo, afinal, que os direitos fundamentais não são benesses de um governo, seja como for que ele se constitua - autocrático, despótico, democrático. Os direitos fundamentais à liberdade, à integridade moral e física, à sobrevivência, à felicidade devem ser o ponto de partida das relações sociais, garantidos coletivamente, exercidos individualmente, estendidos a todos os seres sencientes.


Ofereço, agora, uma breve definição das idéias que me inspiram:

ANARQUISMO: doutrina política que rejeita toda forma de autoridade. Isso porque os seres humanos só serão plenamente livres quando forem livres e iguais entre si, incapazes de exercer dominação uns sobre os outros. Numa sociedade livre de dominação e hierarquia social a organização política centralizada na forma de um Estado e governo constituído torna-se, portanto, obsoleta. E, para alcançar essa sociedade livre, o Estado e o governo não são um instrumento válido, pois eles próprios são instrumentos da dominação de um ser humano sobre outro, de uma classe sobre outra, de um povo sobre outro. Apenas a livre associação de indivíduos pode promover uma sociedade livre e igualitária.


LIBERTAÇÃO ANIMAL ou ABOLICIONISMO: doutrina que afirma a igualdade entre todas as espécies do mundo animal, fundada na senciência - capacidade de experimentar dor e prazer - manifesta por todos os animais e que defende, assim, uma igualdade de direitos entre todas as espécies no que se refere à garantia dos seus interesses básicos à liberdade e à integridade física e psíquica, tornando imoral e injustificável a dominação de uma pela outra, como o ser humano pratica em relação aos demais animais. A pedra fundamental do abolicionismo torna-se, portanto, o VEGANISMO.


VEGANISMO: boicote a todos os frutos da exploração do ser humano sobre os outros animais: sua carne, secreções (ovos, leite, mel), peles e penas usadas como vestuário e ornamentos, produtos testados em animais (exceto voluntários humanos), comércio de animais, exploração de animais para entretenimento (zoológicos, esportes, rodeios, rinhas...).

Carta de Intenções

Freqüentemente me sinto insatisfeito com as visões lugar-comum que leio na internet, nos livros, nos jornais, vejo na TV, escuto nas ruas. Lugares-comuns da esquerda, da direita e da humanidade, a qual partilha em sua quase inteireza um antropocentrismo tão inabalável quanto moral e eticamente injustificável. É para me contrapor a esta combinação de antropocentrismo e senso comum que decidi criar este espaço.

Aqui pretendo dar minha própria interpretação a fatos que geralmente nos são expostos como preto-e-branco: dar uma visão alternativa, realmente crítica, longe dos reducionismos e dos maniqueísmos.

Dentro desta proposta, irei expôr meu pensamento sobre a política numa forma mais ampla do que geralmente é entendida. Primeiro, a natureza e o meio ambiente não são meras considerações "acessórias" numa nota de rodapé, para demonstrar profundidade de análise, mas elementos centrais para a análise crítica das idéias e práticas. Segundo, liberdade e exploração não são entendidos na sua forma restrita ao egoísmo antropocêntrico: é chegada a hora de debater e PROMOVER a liberdade também no mundo animal e na natureza em geral, explorados sem qualquer escrúpulo pelo ser humano. Temas como economia, desenvolvimento, sustentabilidade, justiça, igualdade social sempre colocam a natureza como um tema acessório, quando não inconveniente. Não aqui. O ser humano não encontrará a verdadeira paz e justiça se não for ele mesmo justo, não apenas com os seus semelhantes, mas com todos aqueles que são submetidos às suas ações.

Por conseguinte, o tema central deste blog haverá de ser o veganismo e a libertação animal. Mas não apenas isso. A política estará presente em todos os seus sentidos e manifestações, sendo ela o campo privilegiado das lutas humanas.

Porque não podemos ser apenas seres vivos. Havemos de ser, todos, animais humanos e não-humanos, SERES LIVRES.