segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Questão de Coerência

Ultimamente tem sido difícil dedicar-me ao blog, por conta de compromissos profissionais, muitos dos quais não exatamente emocionantes, mas que têm me ajudado a pagar as contas... Essa semana não tive tempo para desenvolver uma postagem a fundo, então vou colocar só algumas observações acerca do comportamento que se exige dos veganos.

Penso sempre nisso na medida em que sempre acusam a menor falha ou escorregão - real ou imaginário - de um vegano para justificar a própria acomodação ou total falta de comprometimento ético.

A questão reemergiu na semana passada quando, num debate na MTV, defensores da vivissecção disseram que defensores do veganismo deveriam recusar tratamento médico emergencial, se dele um dia viessem a precisar. O problema é que esta questão não passa - como na maioria das críticas ao veganismo - de deslealdade intelectual. Há uma enorme diferença entre não fazer absolutamente nada, e tentar fazer o máximo possível.

No caso específico do tratamento médico, embora muitos veganos se oponham ao paradigma da medicina ocidental-moderna, muitos outros argumentam não contra a medicina EM SI, mas contra o paradigma do modelo animal. Argumentamos que a ciência pode avançar sem o modelo animal; que os tratamentos desenvolvidos, em sua maioria, dispensavam, na verdade, tal modelo; e, por fim, que se não podemos mudar o passado, não devemos fazer tábula rasa do mesmo, mas tentar mudar o presente e o futuro. O que significa: se os medicamentos hoje disponíveis foram desenvolvidos com base na experimentação animal, isso não significa que devam ser queimados e proscritos. Apenas que se pare com a experimentação hoje e se desenvolva novos medicamentos de outra maneira.

Conheço alguns veganos conscientes, dedicados e COERENTES que, por problemas de saúde ou acidentes imprevisíveis precisaram recorrer à medicina ocidental-moderna. Não os considero menos veganos por isso. Se já existe uma técnica desenvolvida para tratar de tais problemas emergenciais, não faz sentido ser mártir pela causa animal. Um vegano vivo contribui muito mais para a causa.

E, claro, existe um abismo de distância entre um vegano que precisa de uma cirurgia ou internação de emergência e um onívoro que sacrifica animais sencientes em favor de seu paladar. Ou do cientista que, tendo outros métodos disponíveis - ou podendo dedicar-se a desenvolvê-los - escolhe como método para desenvolver um medicamento ou terapia, a experimentação animal. Pior ainda quando, como no caso brasileiro, os testes, nesses casos, exigem, por lei, a experimentação animal.

O que os vivisseccionistas não entendem é que este é justamente um dos motivos pelos quais defendemos o fim da experimentação animal - para que as pessoas possam optar por tratamentos alopáticos que tenham padrões éticos coerentes e abrangentes. Os incoerentes são os vivisseccionistas, que destroem milhões de vidas para - alegadamente - salvarem outros milhões. Só que, como já argumentei em meu outro texto sobre o tema, isso não necessariamente é verdade. Os interesses dos vivisseccionistas são os da indústria farmacêutica, que vive da doença, e não da saúde, e portanto não tem interesse genuíno na saúde das pessoas. Tanto é verdade que muitas doenças crônicas - justamente as que teoricamente mais precisam de medicamentos, uma vez que não têm expectativa de cura - não recebem verbas ou atenção suficiente. Caso da artrite, que acomete principalmente mulheres e idosos, um grupo social de menor poder aquisitivo.

A questão não se encerra na vivissecção, porém. Também no quesito alimentação,é comum que se use alguma lacuna na ética vegana para justificar o injustificável - a primazia do paladar sobre a vida e a liberdade. As frases já são até famosas:

- Você não foi sempre vegano, não tem moral para falar de mim. Cada um tem seu tempo.

- Você esquece que os agrotóxicos usados para cultivar os vegetais que você come também matam animais.

- Você se diz vegano, mas o ônibus que você pega, o computador que usa, têm componentes de origem animal ou que foram testados em animais.

Quanto à primeira alegação, não precisa de muita reflexão para demonstrar-se ser totalmente pueril. Não importa quanto tempo uma pessoa precisou para se conscientizar. Uma vez tomada a consciência, esta traz consigo uma responsabilidade - que muitas pessoas já racionalmente esclarecidas relutam em assumir, por variados motivos, todos em essência egoístas, pois colocam questões pessoais menores sobre o valor inerente da vida e da liberdade de animais não-humanos. Por outro lado, aqueles que assumem essa responsabilidade e, além de sua atitude pessoal, decidem contribuir para a conscientização de outras, não estão se interpondo sobre "tempo de cada um", mas apenas usando as oportunidades disponíveis para que outras pessoas passíveis de conscientização tenham a possibilidade de fazer a transição que, de outro modo, seria mais demorado ou mesmo inexistente, não tanto por falta de vontade, mas por falta de conhecimento. Muitos veganos despertaram assim - eu inclusive - e por isso não desmerecem o valor da mobilização e do contato direto com o público.

Os dois últimos argumentos constatam uma verdade, mas esquecem (ou omitem) que há variaveis sobre as quais não temos controle. Sim, a forma mais coerente de ser vegano seria num estilo de vida primitivo. Não à toa existe uma corrente chamada "anarco-primitivismo" que tem veganos entre os seus adeptos. No entanto, ser primitivista NÃO É REQUISITO para ser vegano, embora ser vegano talvez seja requisito para ser primitivista. Há veganos de todas as matizes, os quais não querem abrir mão da civilização - muitos, sequer são contra o capitalismo - eles apenas querem que a civilização deixe de usar animais. O que conta aqui é praticar o boicote até onde ele for possível, como forma de marcar posição, fazer pressão e tentar criar uma corrente que interfira no mercado de modo a desestimular a exploração animal. Não se pode alegar que não seja uma estratégia coerente com os propósitos desses veganos, nem que não possa ter eficiência de longo prazo - à medida que os veganos se tornem social, política e economicamente relevantes (o que está ocorrendo lentamente). De modo que isso nada tem a ver com o comodismo de achar que não se pode - nem se deve - fazer absolutamente nada para mudar a realidade, e que os veganos deveriam deixar de "frescura" ou então "tomar vergonha na cara" e parar de impor padrões aos outros que eles próprios - supostamente - não conseguem seguir.

* * * * *

PREVISÃO PARA A PRÓXIMA POSTAGEM: 18 de Agosto de 2008.

2 comentários:

Adriana Lisboa disse...

Bruno, um prazer descobrir seu blog. abraços e saudações veganas.

Bruno Müller disse...

Oi, Adriana

Obrigado. Sempre um prazer saber que tem alguém lendo. :)