Já mantive um blog, por um período de 6 meses, com dois amigos, nos fins de 2005. A motivação era basicamente a mesma que inspirava este blog nascedouro: oferecer uma visão alternativa da realidade.
Como era auge do escândalo do mensalão, inevitavelmente, além das questões teóricas que nos inspiravam, tivemos que lidar com a realidade conjuntural. O oferecimento de uma visão alternativa, entretanto, acabou sendo interpretado da forma míope e maniqueísta que informa o pensamento político dominante. Se nos recusávamos a fazer eco com as análises primárias e manipuladoras da "esquerda" petista, que reduzia todo um escândalo de corrupção, perda de princípios, luta crua pelo poder e aparelhamento do Estado a uma conspiração golpista, logicamente devíamos ser direitistas empedernidos ou, na melhor das hipóteses, tucanos. Pouco importava aos leitores as considerações genéricas que nenhuma afinidade tinham com a direita ou o capitalismo: se não éramos petistas, logicamente só poderíamos ser tucanos. Esse tipo de interpretação das nossas idéias foi um grande desestímulo à continuidade do finado blog. Além, da minha parte, do crescente desânimo com os modelos políticos vigentes.
Para evitar ou dirimir novas distorções das idéias que aqui serão publicadas, as minhas idéias políticas não estarão mais implícitas aos textos. Quero deixar claro, desde já, minha filiação política e como ela se manifesta. Por ora, brevemente. Com o tempo, meu pensamento político será exposto de forma mais extensa.
Tenho duas matrizes ideológicas que se complementam: o VEGANISMO e o ANARQUISMO. Sou vegetariano antes de ser anarquista, e anarquista antes de ser vegano. Minhas convicções anarquistas têm apenas se reforçado ao longo dos anos, e eu encaro, hoje, o veganismo e a libertação animal como sua extensão natural a todo o mundo animal. Não obstante, considero que é possível (embora improvável) que um dia me convençam que um governo não é uma má idéia. Mas seria apenas se me provassem que o governo é a única forma de assegurar a liberdade, a paz e a não-exploração. Portanto, mesmo que deixe de ser anarquista, jamais deixarei de ser vegano, pois meu veganismo deriva da convicção que a liberdade, a paz e a não-exploração deve ser a base não apenas das relações humanas, mas das relações humanas com a natureza.
Por muito tempo encarei o vegetarianismo como uma opção pessoal, e por isso não me mobilizei para divulgá-lo. Preferia militar na arena política tradicional, antropocêntrica. Não mais. Agora a libertação animal é a minha prioridade. Em primeiro lugar, não por eu achar que a libertação humana seja menos importante, mas porque, infelizmente, há muitos poucos conscientes da injustiça e exploração que o ser humano impõe aos animais não-humanos e da relevância de combatê-las. Decidi, então, fazer minha parte quanto a isso, e não mais silenciar minha consciência para uma questão tão candente. O segundo motivo é que, paradoxalmente, embora sejam menos que os militantes políticos tradicionais, eu tenho mais companheiros entre os defensores dos direitos animais que entre os (supostos) defensores da libertação humana. Enquanto a cena política estiver dominada pela mediocridade, pela mesquinhez, pelo arcaísmo, pelo autoritarismo, pelo instrumentalismo e oportunismo livre de verdadeiros princípios, o qual não se opõe, de fato, à injustiça, à violência, à manipulação, mas apenas à injustiça, violência e manipulação praticada pelos inimigos, eu não terei companheiros na cena política.
Além da questão dos princípios que informam a luta pela libertação humana, temos a questão de como a libertação humana é concebida em si. E aqui está a fonte principal de discordância. A cena política "libertária" está dominada pela estatolatria, pelo fetiche do poder, do governo, do Estado. Aqui vemos uma contradição interessante. Karl Marx, ao conceber o socialismo científico, tinha uma meta muito mais clara que os chamados socialistas utópicos: o fim da sociedade de classes e conseqüente fim do Estado, aquela forma de organização política marcada pela hierarquização e dominação própria das sociedades desiguais. Pois bem... os marxistas "modernos", na sua forma democrática ou extremista marxista-leninista, a esquerda pós-moderna, a Nova Esquerda, por motivos diversos, abriram mão do ponto primordial da doutrina marxista. De um modo mais sofisticado ou menos sofisticado, ficaram no meio do caminho: o Estado socialista, JUSTAMENTE a parte da doutrina marxista que falhou miseravelmente no século XX, levando alguns milhões de vidas a reboque. Da parte dos marxistas-leninistas isso não chega a ser surpreendente ou chocante.
No caso da esquerda democrática, o Estado foi fetichizado como meio de realização da democracia, embora a democracia pareça cada vez mais distante dos nossos horizontes, cada vez mais domesticada, oligarquizada, maquiada: as elites políticas e econômicas, as corporações, as classes dominantes aprenderam a manipular a democracia, conseguindo assim um grau de legitimidade que nunca antes tiveram, quando precisaram recorrer ao autoritarismo e ao oligarquismo.
Digo isso tudo não por me considerar marxista, mas por me espantar com a mediocridade e a "modernização" empregada pelos supostos depositários da teoria marxista, cuja leitura seletiva tira do marxismo a sua própria essência. Nada contra ser seletivo, mas esse marxismo, ao renunciar à essência da teoria que julga professar, acaba implicando num marxismo limitado, medíocre, ou abstrato: os militantes e intelectuais marxistas esqueceram e mesmo renegaram os objetivos de seu guru.
Também da parte da esquerda que não se pretende marxista - embora em geral mantenha vínculos com o marxismo - a estatolatria impera. A eles parece, hoje, que não é possível nem desejável pensar na superação da organização social hierárquica. No caso dessa esquerda pós-moderna, aí sim o espanto pode ser genuíno. Ao se pretender renovadora, esse campo da esquerda ecoa os mesmos preconceitos da esquerda marxista-leninista e da esquerda democrática. Ao pretender inovar no campo da ação e do pensamento, se mostra tímida, medíocre, tacanha, covarde, ao insistir em modelos políticos arcaicos e ao bloquear o debate que busca ir ao cerne da experiência social humana: a DOMINAÇÃO e, dessa forma, rejeitar o debate sobre a superação da organização social hierárquica - o Estado - como abstrato, utópico, inconveniente.
Hoje, o Estado é o grande consenso do debate político, seja no campo da ação, seja no campo da reflexão. Militantes e intelectuais se recusam a pensar a política além do Estado - com exceções, claro, as quais são, então, marginalizadas.
Com o tempo irei estender minhas reflexões sobre o Estado e as razões pela qual acredito que a liberdade, a justiça, a igualdade são incompatíveis com a existência do mesmo. Por ora quero apenas dizer que ser contra o Estado não é uma atitude de rebeldia juvenil impensada. As relações sociais são complexas e o estado de anarquia (letra minúscula, pois não se manifesta através de um aparato jurídico-político-militar centralizado) não será alcançado da noite para o dia. Mas este deve ser o horizonte. Como fazê-lo? Transferindo o poder para as comunidades, os indivíduos, descentralizando-o e definindo, afinal, que os direitos fundamentais não são benesses de um governo, seja como for que ele se constitua - autocrático, despótico, democrático. Os direitos fundamentais à liberdade, à integridade moral e física, à sobrevivência, à felicidade devem ser o ponto de partida das relações sociais, garantidos coletivamente, exercidos individualmente, estendidos a todos os seres sencientes.
Ofereço, agora, uma breve definição das idéias que me inspiram:
ANARQUISMO: doutrina política que rejeita toda forma de autoridade. Isso porque os seres humanos só serão plenamente livres quando forem livres e iguais entre si, incapazes de exercer dominação uns sobre os outros. Numa sociedade livre de dominação e hierarquia social a organização política centralizada na forma de um Estado e governo constituído torna-se, portanto, obsoleta. E, para alcançar essa sociedade livre, o Estado e o governo não são um instrumento válido, pois eles próprios são instrumentos da dominação de um ser humano sobre outro, de uma classe sobre outra, de um povo sobre outro. Apenas a livre associação de indivíduos pode promover uma sociedade livre e igualitária.
LIBERTAÇÃO ANIMAL ou ABOLICIONISMO: doutrina que afirma a igualdade entre todas as espécies do mundo animal, fundada na senciência - capacidade de experimentar dor e prazer - manifesta por todos os animais e que defende, assim, uma igualdade de direitos entre todas as espécies no que se refere à garantia dos seus interesses básicos à liberdade e à integridade física e psíquica, tornando imoral e injustificável a dominação de uma pela outra, como o ser humano pratica em relação aos demais animais. A pedra fundamental do abolicionismo torna-se, portanto, o VEGANISMO.
VEGANISMO: boicote a todos os frutos da exploração do ser humano sobre os outros animais: sua carne, secreções (ovos, leite, mel), peles e penas usadas como vestuário e ornamentos, produtos testados em animais (exceto voluntários humanos), comércio de animais, exploração de animais para entretenimento (zoológicos, esportes, rodeios, rinhas...).
6 comentários:
que bom que voltou a blogar! continue nos trazendo excelente material que inspira reflexão e AÇÃO... dying to read more!
Oi, Rachel. Obrigado pelo incentivo. At least one reader. Vamos esperar q mais venham. :)
Eu estou lendo!
Fala, Biano. Q bom. Mais um leitor!!! :)
Interessante.
Mas como não usar produtos que testam em animais, se praticamente tudo é testado neles??
Papel higiênico, sabão, sabonete, absorvente...
Camila, existem produtos que não são testados em animais. Eu vou adicionar o link da lista das empresas que testam e as que não testam. Se quiser mais informações, não hesite em me mandar um email. Eu acredito que não basta dizer às pessoas o que achamos certo/errado, temos que apoiá-las, mostrar o caminho, incentivar, ajudá-las a dar o primeiro passo para libertarem a si mesmas e aos demais - sermos solidários.
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