segunda-feira, 14 de julho de 2014

Reflexões libertárias no aniversário da Revolução Francesa

Hoje, 14 de Julho, comemora-se o Dia da Bastilha, aniversário da Revolução Francesa que, nas palavras de um de seus milhares de protagonistas, Camille Desmoulins, fez da Liberdade "uma ideia nova na Europa".

Quero celebrar esta data rememorando algumas considerações feitas quase cem anos depois por um homem que dedicou sua vida a essas duas paixões: a Liberdade e a Revolução.

"A primeira revolta é contra a suprema tirania da teologia, o fantasma de Deus. Enquanto tivermos um Senhor no Paraíso, seremos escravos na Terra. [...] Todas as autoridades temporais e humanas derivam diretamente da autoridade espiritual e/ou divina. Mas a autoridade é a negação da liberdade. Deus, ou melhor, a ficção de Deus, é a consagração e fonte moral e intelectual de toda escravidão na Terra, e a liberdade da humanidade jamais será completa até que esta ficção desastrosa e insidiosa do Senhor Celestial seja aniquilada.
Isto será naturalmente seguido pela revolta contra a tirania dos homens, individual e socialmente, representada e legalizada pelo Estado.
[...]
O Estado é uma instituição histórica, transitória, como sua instituição irmã, a Igreja, reguladora dos privilégios de uma minoria e os verdadeiros escravizadores da imensa maioria."
BAKUNIN, Mikhail. Man, Society and Freedom [1871].*

O verdadeiro desafio seria superar a tirania coletiva, para a qual Bakunin, como tantos pensadores de seu tempo, via uma única saída: o Esclarecimento. Que cada ser humano fosse legislador de si mesmo, algo que só poderia ser adquirido pela conquista da autonomia política e moral que os regimes clericais e estatais contêm no nascedouro.

O erro supremo dos Jacobinos, os "radicais" que em determinado momento assumiram o controle da Revolução, foi justamente trilhar o caminho oposto: ver no Estado o farol da Revolução. Valeram-se de meios diametralmente opostos ao seu objetivo. Meios que serviram de base para o Estado policial, burocrático, hipertrofiado, que virou o paradigma revolucionário do século XX, devidamente alimentado pelo marxismo-leninismo.

Voltando ao século XVIII,  Robespierre, incumbido de "salvar" a Revolução diante da agressão militar das potências imperiais e da insatisfação popular, instaurou a Era do Terror, durante a qual ele, outrora visceral opositor da pena de morte, liderou a execução de milhares de contrarrevolucionários, suspeitos, descontentes e revolucionários. Simultaneamente, temerário da "revolta suprema", além do Terror, tentou mesmo criar o "Culto ao Ser Supremo" - um deísmo cívico, não clerical. Assim, inauguraram-se duas poderosíssimas tradições no pensamento e prática revolucionários: o extermínio em massa do povo e o culto à personalidade e deificação dos mentores e líderes deste mesmo povo, uma Religião Laica na qual, infelizmente, a ideia de transformação social se transmutou em algo que em nada deve ao Monoteísmo Abraâmico em matéria de mentiras, horrores e ignomínia.

Faltou-lhes integridade? Mas Robespierre era conhecido como "O Incorruptível"! Seu fervor de salvar a Revolução e instaurar um regime baseado na Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, distante do odioso sistema de privilégios de ordens anterior, eram genuínos.

O fracasso fundamental do jacobinismo - teórico, prático e humano, tendo milhões de vidas ceifadas como a medida de seu verdadeiro valor - foi apontado, num intervalo de tempo relativamente curto, por Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin e tantos outros pensadores libertários, cujas reflexões, fustigadas pelos inimigos da Liberdade, teimam em retornar, eternamente, como signo de uma paixão primordial e irreprimível.

Não, não lhes faltou integridade. Faltou-lhes coragem. Faltou-lhes a perspectiva visionária. Faltou-lhes a sensibilidade de que o povo, em abstrato, jamais poderá substituir o indivíduo, em particular. É este que, nas palavras de Emma Goldman, "vive, respira e sofre". É a liberdade do indivíduo "em detrimento da autoridade exterior, tanto no que concerne à sua existência física quanto à política ou econômica" [GOLDMAN, Emma. O Indivíduo, a Sociedade e o Estado]**, a verdadeira medida do progresso humano. O diferencial do pensamento anarquista esteve em reconhecer que liberdade e igualdade, indivíduo e sociedade, não são forças em conflito, mas pilares para o desenvolvimento social, político, econômico e ético da humanidade. E que o Estado é a negação fundamental desse progresso.

É neste espírito que sempre faço questão de recordar a Revolução Francesa. Pelas suas ideias, mais que suas realizações. Se "a paixão destrutiva é também uma paixão criativa", como também dizia Bakunin, claro está que os Jacobinos e seus herdeiros (leninistas, maoístas, castristas, chavistas, lulistas, reformistas...), a despeito de todo aniquilamento que promoveram e inspiraram, fracassaram justamente por não terem ido longe o bastante na sua paixão destrutiva; por terem-na apontado na direção errada: contra indivíduos, e não instituições. Represando, deste modo, a liberação de todo o seu potencial criativo.

Fontes:

*http://www.marxists.org/reference/archive/bakunin/works/1871/man-society.htm

**http://www.cntgaliza.org/files/individuoNaSociedade.pdf

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